Os turismólogos Rivas e Enoque Silva ladeando e beijando a culinarista Ana Lula.
Primeiro eu conheci a fama da dona do Antigamente - principal bar e restaurante do bairro da Praia Grande, entre as décadas dos anos 1980 e 1990, no centro de São Luís -. O que chegava até mim, não era das melhores famas. Ela era taxada como uma mulher muito dura, que queria mandar no Reviver e que brigava até com a polícia. Quando passei a frequentar seu empreendimento comecei a entender que ela era, na verdade, um alvo de pensamentos e práticas machistas. Afinal, ver mulher comandando um negócio. e de sucesso, não todo mundo que aceita.
Ana era uma mulher, mãe de 03 filhos - que eu saiba -, avó, que, conhecedora de seu grande talento na culinária, empreendeu e tornou-se dona do mais famoso bar e restaurante do centro histórico da cidade. Seu espaço era conhecido por todos os turistas que vinham à Capital maranhense.
O Antigamente dava mais vida ao Praia Grande, conhecido popularmente como Projeto Reviver. Era ponto de encontro de turistas, amigos, casais... todos aqueciam o estômago com pratos deliciosos, gelava a garganta com bebidas geladas e aquecia o coração com músicas ao vivo. Grandes nomes do cenário musical de São Luís passaram por lá. Quase todos os quarentões - ou mais - que passaram por São Luís nas décadas acima tem alguma história ligada ao Antigamente.
Se ela brigava com a polícia? Sim, é não era para brigar?! Com todos seus documentos e impostos em dia, ela brigava para que fizesse o papel de dar segurança aos estabelecimentos e frequentadores da área. Ela brigava com clientes para impedir comércio de drogas e casos de assédio sexual infantil nas dependência do restaurante - isso eu mesmo vi -. Para ela isso era intolerável.
Tempos mais tarde entrei no universo do turismo local e fui conhecendo-a mais de perto, até me tornar - como Enoque - amigo dela, embora nossas ocupações não nos permitissem nos vermos com tanta frequência. Entretanto, essa aproximação me fez perceber que Ana não brigava exatamente, ela exigia e cobrava o que era correto, o que lhe era de direito como cidadã, empreendedora em dias com suas obrigações e exigia o que era de obrigação dos poderes públicos para proporcionar segurança a todos na região. Ela que primava em oferecer o melhor aos clientes, mesmo que para isso precisasse alterar a voz e sua pressão arterial.
Enoque Silva e Ana Lula
Falando em pressão arterial, certa vez o Trade de São Luís estava em Belém para uma rodada de negócios com o Trade de lá - eu acompanhei muito, por minha conta, a Secretaria de Turismo de São Luís nesses trabalhos de divulgação, mas nesse eu não estava -. Pois bem, trabalharam os dias necessários na cidade e na hora do embarque, todos já entrando no avião, ela teve uma crise de pressão alta e não poderia embarcar. Foi então que o turismólogo Enoque Silva e a jornalista Léa Zaqueu, que participavam da comitiva, se dispuseram à acompanhá-la o tempo que fosse necessário. Medicada, e assistida por médicos do aeroporto, foi liberada para viajar. Ao adentrar no avião entrou falando alto, comemorando e fazendo piada com a situação: "Gente, eu não morri! Eu não morri!!". Todos riam num mix de comemoração e alívio.
Quando cansou dessa luta, da qual concluiu que apenas dava murro em ponta de faca, Ana decidiu fechar o Antigamente - foi então uma grande perda à região da Praia Grande - e decidiu instalar na sua residência, no bairro do Vinhais, um atelier gastronômico, o Casa de Juja. Com sua garra, não tinha medo de recomeçar e s ua nova marca não tardou a ganhar fama e se consolidou como um dos principais points para se ter uma experiência de sabores inesquecíveis em terras do Maranhão. Sua mais famosa criação, o Arroz do Mar, é um dos pratos mais irresistíveis já feitos nessa cidade e copiado em muitos lugares.
Arroz do Mar, mais famoso prato criado por Ana Lula
Chega ontem e soubemos que faleceu mais essa querida amiga, mais que isso, faleceu um grande ícone da cultura gastronômica e do turismo maranhense, vítima do covid. Faleceu ANA LULA, do Antigamente e do Casa de Juja. Nosso 02 de maio de 2021 se fez noite sem estrela ou luar e sem música alguma em pleno início de tarde de domingo. Esse vírus, que insiste em não querer sumir e que, em nosso país, parece ter aliados importantes, a levou embora sem chance de um "até logo". Ana partiu e deixou-nos com o corações tristes, apertados e nossos dias futuros sem o olfato e o paladar da alquimia que tinha domínio como poucos. Nesse tacho que era sua vida, não faltavam temperos e ingredientes... o gás acabou.
Beijos, querida! Você já faz muita falta.