sábado, 9 de janeiro de 2021

A CATEGORIA É... NÃO SE PODE PERDER A POSE

 



          Imagem divulgação - Personagem Angel

(Por Rivanio Almeida Santos)

A história começa em 1987 e já de cara vemos um roubo a um museu. Eram mãe e filhos da Casa Abundance buscando figurinos para ganhar um baile gay de apresentações temáticas. A cena termina com todos sendo presos após o desfile. Não sem antes receberem o troféu de campeões para a casa que representam. As casas são locais chefiadas por mães, mulheres trans, que acolhiam jovens em situação de rua para lhes darem segurança, acolhimento, apoio, orientação e uma vida artísticas na defesa de suas casas nos famosos bailes.

         Elektra desfilando no Baile.

Assim começa o enredo de Pose, uma das grandes séries do aplicativo de streaming, Netflix, onde temos a satisfação de ver vários acontecimentos nas vidas de
Blanca, Electra, Angel, Lulu, Candy, Pray Tell, Damon, Esteban  e Ricky que nos fazem entender o universo que envolve a vida da comunidade LGBTQIA+ Afro-americana e Latino-americana.

Na primeira temporada - que rendeu
indicações a prêmios variados, incluindo o Globo de Ouro de Melhor Série Dramática e o Globo de Ouro de Melhor Ator em Série Dramática - vemos que, não apenas a não aceitação, como também a expulsão e a violência física, tão comuns (desde sempre e ainda hoje) fazem muitos gays irem parar nas ruas e se sujeitarem a práticas de atividades como a venda de drogas e a prostituição por sobrevivência. Vê-se o surgimento e a proliferação do HIV, as contaminações, o preconceito, as vítimas fatais e o início dos tratamentos. Vemos, entendemos e relembramos muitos e tantos talentos perdidos por causa da falta de informações, acesso a tratamentos e consequências dos preconceitos, mas, também por falta de suportes emocionais. Impossível não se emocionar, com o amor dos filhos pelas mães biológicas, apesar dos abandonos - a maioria refém do machismo dos maridos - . Impossível não se emocionar com a obstinação e resiliência de Blanca Evangelista, apesar de tudo que passa na vida. Impossível não se emocionar, principalmente quem viveu os anos 80, com tudo que "revive", agora com os olhos de espectadores mais maduros e atentos para entendermos melhor aquela época e os contextos de então. 

          Blanca Evangelista quando acolhe Damon das ruas.

Interessante ver como os gays, que viviam em guetos por necessidade de identificação, mas, com clima de desunião por causa de disputas de egos e senso de autodefesa - próprio de quem cansa de apanhar da vida e vive armado a qualquer armadilha que vier -, conseguiu se juntar para criar uma cultura incrível, a cultura dos bailes - na definição de Blanca, uma das protagonistas, que eram "reuniões com pessoas que não são bem vindas em outros lugares. Uma celebração à vida". E nos bailes, assim como nas ruas, esta celebração envolvia, beleza, arte, música e dança. A dança era o vogue - assim como o break - um estilo de dança, só que do universo o LGBTQIA+, - "O nome do estilo (que também pode ser chamado de "voguing") foi inspirado na revista de moda "Vogue", já que dançarinos brincavam de imitar as poses das modelos mostradas na publicação e faziam movimentos corporais marcados por linhas e poses, como em uma sessão de fotos. O movimento, que desde o início surgiu como um ato de empoderamento de minorias, se tornou uma revolução...", segundo Luana Dornelas e Evandro Pimentel do site redbull.com -. E que deu muito o que falar pelo mundo.

E quando digo que deu o que falar,  já estou me refiro a segunda temporada desse roteiro que mistura ficção com acontecimentos reais e importantes. Este segundo momento já se passa no início dos anos 1990, ano em que Madonna lança a música "Vogue" e vira "mãe" de todos os LGBTQIA+ por dar maior visibilidade à comunidade, o que ajudou bastante na reafirmação da cultura e identidade da classe e ajudou vencer alguns obstáculos como o respeito e reconhecimento aos talentos na arte, de desfilar, de dublagem musical e de dançar, por exemplo.

Apesar das barreiras que começaram a ser vencidas, ali, finais do século XX - não que não exista mais - , ainda se vê muito preconceito da sociedade que dificultava a vida das pessoas LGBTQIA+, tipo: alugar algum espaço para morar ou abrir um negócio próprio, trabalhar como modelo e, como sempre, no meio familiar. Juntando a isso continuamos a ver intrigas entre os próprios componentes da comunidade, que têm - dentre vários - seus p
reconceitos com novas tendências dentro do próprio meio artístico, a exemplo das apresentações de dublagem de músicas que acabam de surgir como manifestação artística. Nesse mesmo período aumentam as quantidades de mortes em decorrência do HIV/AIDS, pela violência física e também por assassinatos. Contudo, como um família que discute, e até briga, vemos as personagens aprendendo a se unir para proteção uma das outras - mesmo no que não é correto, que são consequências das pressões e castigos recebidos - mas, também em busca e proteção dos direitos da comunidade a qual estão inseridas.

Na segunda temporada voltamos a questões recorrentes - que na realidade ainda hoje são -. Então eu provoco você que tá lendo esse texto: o que você acha que ocorre quando a família nega  e expulsam de casa seus filhos LGBTQIA+ renegando suas existência e os obrigado a qualquer sorte? Eu te respondo... Eles precisam acionar e usar seus instintos de sobrevivência. Quando um LGBTQIA+ se abafa (ou se esconde, camufla tentando ser o que não é) para agradar a família, ele pode tá tentando mostrar que a ama, mas está se matando. E se a família aceita que seu filho viva infeliz é porque não o ama. Quando ele, mesmo triste, se recusa a não viver o que está sendo imposto e sai pelo mundo - na maioria das vezes são obrigados a isso - , está praticando o amor próprio e instintivamente está lutando pra seguir o seu destino de apenas ser o que que é, como a natureza divinamente lhe fez. Vale lembrar que a maioria usa o Divino como desculpa para matar os seus (emocional e fisicamente) e torná-los aquilo que não são por puro machismo, egoísmo, por pura maldade, vergonha ou por inveja por enxergar neles a coragem de serem o que são. O que será que falam e pedem nas orações
em silêncio quando põem seus joelhos no chão? Conseguem dormir sabendo da infelicidade de alguém que os ama? Isso sim é uma aberração humana. Amar pela metade. Amar apenas o que lhe convém. Amar apenas o que julga perfeito. Isso não é amor. Esquecem o "amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado" e o "atire a primeira pedra aqueles que não têm pecados". Deixa lá... tô fugindo ao tema.

Voltando... Nessa temporada um ponto alto de emoção está no episódio 4 - "nunca conheci um amor assim"-, no velório de Candy, uma transsexual que ainda precisava se prostituir, para se manter e aos filhos que tinha acolhido, é assassinada por um cliente. Na cena do velório vemos cada um dos presentes conversar com o espírito da morta - é como se a consciência de cada um pesasse e buscasse se justificar com a finada e buscasse o seu perdão - .  A realidade da maioria de nós LGBTQIA+ passa ali, na tela, a cada conversa. Contudo, os perdões pedidos e os desejos de convivência chegam tarde demais.



Outros pontos altos são o convite para os dançarinos (Damon e Ricky) fazerem teste para turnê de Vogue da Madonna e as conquistas seguintes, como o início da carreira de modelo de Angel em uma grande agência. Contudo, como nada vem fácil,  acompanhamos altos e baixos, grandes e doloridos tombos, mas, como um dos personagens - esqueci quem - diz em uma cena: "artistas de verdade usam a dor para ter força". 

São divertidas as falas do Pray Tell nas apresentações dos bailes. É legal ver que a perversa Elektra tem esse jeito como uma casca de proteção, mas, vemos sinais de que ela também tem um coração. É gratificante ver representada a gratidão que temos por quem nos apoia, acolhe e não julga, mesmo que não aprove ou concorde. Impossível não ficar feliz com a descoberta do amor verdadeiro de Angel e Estaban e ver o apoio e o crescimento profissional dos dois juntos. 

Assistir essa série, justamente sobre a fase dos anos 90 me emociona, muito. Ali consigo ver tudo que algumas gerações anteriores a minha tiveram que passar para que eu fosse me chegando, com muito medo (fato!), mas, com força para ser eu mesmo. Enfretando tudo e todos que enfrentei e enfrento, em comunidade ou sozinho, para que meus sobrinhos, de sangue ou não, não passem ou, se passarem, sejam mais fortes e resilientes que eu.



A gente cansou de  "viver em guetos e servir de chacota pro mundo", diz Angel, por isso as mães das casas seguiram - acreditem, na vida real elas existem e ainda seguem - fazendo aquilo que sempre esperamos das mães, dos pais, das tias, dos tios... do sangue: não julgamento, respeito, reconhecimento, aconchego, segurança  e perspectivas. Enfim, Amor e Acolhimento!

Que venha a terceira temporada.






















 



4 comentários:

Denyse disse...

Lindo e real demais. Riva você é admirável!

Denis disse...

Parabensss arrasou

denilma.goncalves@gmail.com disse...

A palavra chave �� :RESPEITO
Parabéns pela iniciativa Rivas!

ARAME FARPADO disse...

Fantástico! Está demais,