domingo, 4 de setembro de 2022

O DEBOCHE COMO  ARMA DE AUTODEFESA

 Meu pai era preto de pele escura e minha mãe é branca, bem alva, embora de cabelo cacheados. Assim, eu e meus irmãos saímos nos mais variados tons de pele, mas todos um a cara do outro. Eu, especificamente, sou preto de pele média,  nem claro e nem escuro, mas, com todas as demais características descendentes dos povos africanos: nariz volumoso, cabelo crespo, boca carnuda, pernas grossas, quadril largo e cintura fina. Portanto, sou preto e tenho muito, muito orgulho disso. E cada vez tenho mais.




Todos os dias vejo nos noticiários ocorrências de violência racial que me deixam revoltado, triste, solidário e com sentimento de vontade de acolher essas vítimas. Já passei por situações de racismo, tal como segurança de shopping ou de lojas de departamentos ficarem me acompanhando durante compras. Já ouvi conhecidas de minhas irmãs mais claras comentarem que éramos "de cores tão diferentes" que não parecíamos irmãos - nem analisavam que somos "a cara d'um e focinho do outro"  como dizia nosso pai.

Situações como estas me chateiam bastante, entretanto eu sofri bem mais com as situações de homofobia, pois não fora preparado diretamente pra isso. Tinha medo, pois não me davam oportunidade nem para desabafar as inúmeras vezes a que fui vítima. Tinha medo de ser apontado como dono da culpa do bullyng pelo meu jeito de "bichinha ou veado" como muitas vezes fui chamado. Ser preto, por um lado, nunca me deu esse sentimento de culpa e, por outro lado, me propiciava situações condicionantes de desabafar sem ser repreendido, culpado e sem medo de ser violentado nas mais diversas formas e vezes

Reafirmo e repito que a verdade é que ninguém me preparou para situações de homofobia, esse assunto sempre fora tabu lá em casa. Já as questões raciais e de racismo aprendemos a tratar com deboche da cara e na cara dos racistas - coisa que só mais tarde aprendi a agir com a homofobia. O deboche, eu aprendi, poderia ser minha arma de defesa.

Sei que talvez não seja a melhor maneira de lhe dar com as ocorrências, mas o sacarmos, o deboche, o desdém foi a maneira que aprendi desde cedo com meu pai. Seu Juruca, como era conhecido, tinha um amigo grande amigo que era preto retinto, de cabelo liso. E eles sempre brincavam com essa questão. Para os desavisados poderia ser taxado como que uma não aceitação da sua condição de preto e até mesmo o que hoje chamamos de racismo estrutural, quando de fato era deboche sobre os racistas. Poderia até mesmo ter muito de racismo estrutural, até pelo fato de que cresceram em ambiente que não tinha a defesa do direito dos pretos, além do mais, eram pretos descentes diretos de pretos, Santa Teresa do Paruá - onde morávamos - tinha na maioria da população pessoas pretas como nós e muitas falas racistas eram tidas como elogios.




No fim das contas, brincalhões e debochados que eram essas "brincadeiras" era uma forma de autodefesa para não tornar a vida ainda mais difícil e doída. Se certo ou se errado não quero e não vou julgar, mas esse sarcasmo me ajudou a ter desenvoltura em contexto de preconceito racial e mais tarde me ajudou a enfrentar os homofóbicos de frente.

Meu pai e seu Conceição me ensinaram a encarar o que poderia ser o grande gargalo de minha vida adulta, dada a minha cor de pele, de forma séria e leve através do sarcasmo. E, por tabela, mesmo sem intenção direta, me ensinaram a me defender da homofobia, que desde sempre sempre foi o meu pior mostro e algoz.

Enfim, não me sinto diminuído por ser chamado de preto. Tenho orgulho de ser!!! E, aos homofobicos - gays que não se aceitam - que não venham me apontar por eu ser gay, pois cada vez mais é provado científicamente que quem aponta a "gayíce" alheia quer, na verdade, esconder a sua. Kkkkk