quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

BETTUS SILVA: 45 ANOS CRIANDO E COSTURANDO ARTE

Por: Rivanio Almeida Santos

Card de Divulgação 

Ícone na moda maranhense, o ludovicense Alberto Silva de Oliveira Filho, nosso querido Betinho, está comemorando em 2023 mais um ano de carreira repleto de história e muito sucesso. Quem olha sua alegria e sua disposição pode achar que tem pouco tempo nessa trajetória dada sua empolgação em tudo que faz. Ledo engano de quem pensa que foi rápido e fácil construir uma marca forte e referência à moda maranhense e à alta costura regional.

Em janeiro de 2024 completará 61 anos de vida e também que respira os ares desse universo mágico da costura de transformar tecidos em peças que abrilhantam os grandes salões e as melhores passarelas da cidade. Sua primeira inspiração foi Dona Maria José, sua mãe (in memorian), que sustentou a ele e a seus irmãos como costureira. Vendo a satisfação das clientes e, principalmente, a satisfação pessoal da matriarca da família, aos 15 anos Betinho decidiu entrar no mundo dos tecidos, tesouras, linhas e alfinetes. Ele quis aprender, e ela lhe ensinou com afinco suas técnicas da arte de costurar. Depois que aprendeu o ofício, passou a desenhar seus próprios figurinos para entregar um serviço ainda mais completo e com sua personalidade. De lá para cá aplicou todas as técnicas aprendidas da mãe e desenvolveu as suas próprias que lhe deram ainda mais know-how para chegar hoje a 45 anos de carreira a frente do ateliê Betus Silva. E nesses 45 anos mais que uma simples assinatura, deu seu nome a toda uma vida como estilista, costureiro e aderecista. Além do Maranhão o seu ateliê fez história em terras cearenses e cariocas. Betinho levou sua arte para Fortaleza e Rio de Janeiro, onde teve, mas também levou, oportunidade de mostrar seu talento para escolas de samba e para os salões e eventos festivos através de grandes nomes das artes e da sociedade brasileira.

Cantora Alexandra Nícolas vestindo criação Bettus Silva

Tamanha dedicação e entrega lhe renderam ser conhecido aqui na ilha como “O Estilista das Estrelas”. Isso porque seu trabalho e seu carisma seduziram as mais diversas clientes. Entre elas importantes jornalistas, colunistas sociais, apresentadoras, empresárias, socialites e, principalmente, artistas, misses e noivas. Todas realizando o sonho de vestirem-se com muito carinho, capricho, brilhos, bordados, bom gosto e muito, muito glamour que são suas marcas registradas. Aliás, bom gosto e glamour sempre estiveram presentes desde o início de sua carreira quando, ainda nos anos 80, fez seu primeiro modelito que foi uma Blusa Cacharrel preta de renda, toda rebordada de canutilho e strass, e saia godê em forma na cor verde de cós preto. Sorte inicial de Raphaella Kennya, Artista Drag Transformation, sua primeira cliente, e para quem faz produções deslumbrantes até os dias atuais.

E falando em Arte Drag, se faz necessários pontuar a importância suprema da pessoa Betinho e do Ateliê Betus Silva à história do cenário LGBTQIAPN+ maranhense, tanto para shows, espetáculos, desfiles ou, simplesmente, para um “’close na nigth”... o movimento sempre contou com sua presença, apoio, incentivo e patrocínio. Vale ressaltar ainda que seu tempo de trabalho à moda, digamos, tradicional se confunde com seu tempo de dedicação à arte direcionada a esta comunidade que prima sempre por apresentar, apreciar e vestir o melhor que há em extravagância, adornos, brilho, plumas e paetês sem perder – jamais! - o estilo, a elegância e o glamour. Importantes nomes já levaram às passarelas, às festas e a programas de televisão locais, nacionais e para diversas partes do mundo - sempre com destaques primorosos - as produções inconfundíveis e irretocáveis desse criador exímio. Aliás, se é para falar de história vale deixar registrado que suas criações nunca passaram incógnitas quando os temas também são Misses e Noivas para os quais sempre foi muito procurado, inclusive, chegando a fazer desfiles exclusivos com temática Noivas.

Boneca Barbie vestida com criação de Bettus Silva


Sabedor que, além dos trabalhos brilhantes do dia a dia, é importante para um criador festejar sua arte mostrando suas criações ao seu público em potencial, Betinho passou a produzir grandes e esperados desfiles. Já foram 08 realizados nos lugares mais diversos da cidade. Começou na Boate Tucanus e passou pelo Convento das Mercês, Sesc Deodoro, Galeria Trapiche, Centro de Criatividade Odyllo Costa Filho e Hotel Panorama. Isso se referindo a desfiles com modelos vivas, desfilando de com suas próprias pernas... Pois, quando o assunto é “desfile estático”, ou melhor, exposições o artista tem uma história linda, e fofa, na moda para bonecas. Sua coleção de bonecas Barbies vestidas de noivas e roupas de gala já foram expostas em outros tantos lugares e ocasiões especiais sempre prestigiadas por quem gosta de moda e, em especial, da arte do artista que é sempre extraordinário.

Por conta dessa história profissional muito inspiradora e para comemorar 45 anos dedicados à moda e ao bom gosto o artista e sua produção prepararam tudo de lindo que se viu no Desfile Show A Luz da Moda Por Bettus Silva, realizado na noite do últimodia 13 de dezembro na GaleriaTrapiche. Aliás, assim como sempre faz em seus desfiles - e que faz parte de sua assinatura - para esse momento Betinho exibiu em sua coleção um casting escolhido a dedo. Estiveram na passarela modelos profissionais, personagens e personalidade locais como convidadas especiais para apresentarem aqui criações feitas exclusivas para este momento, mas também peças importantes na sua história e que foram gentilmente emprestadas por algumas de suas clientes.

Bettus Silva e Bia Maranhão sua noiva do desfile 2023.

O que se viu definitivamente não foi um desfile comum. Os expectadores que foram prestigiar este, que foi um verdadeiro acontecimento na cidade, tiveram de presente um Desfile Show es-pe-ta-cu-lar, como jamais se viu na cidade. Para ilustrar ainda mais a ocasião houveram shows de fiéis amigas, parceiras e clientes. Três das Drags mais Poderooosas do cenário maranhense, Raphaella Kennia, Luana Pfeifer e Adrianne Bombom. Além disso, os presentes tiveram a oportunidade de ver dentre as desfilantes, vestindo o que também é uma marca registrada de Betinho, uma grande personalidade LGBTQIAPN+ do Maranhããão, Bia Maranhão, que fora ovacionado pelo público.

Estilista Bettus Silva ladeado por Rivanio Santos e Enoque Silva

Os que estiveram presentes foram surpreendidos com a arte, a criatividade, o bom gosto e o glamour de Betus Silva no evento que entrou para história da moda maranhense.

Com produção da Sítio Produções, Patrícia Medeiros e Inaldo Aguiar. Apoio da Prefeitura de São Luís por meio da Secretaria Municipal de Cultura e da Galeria Trapiche, Armarinho Só Linhas, Carlos Garcia, Enézio Ramos, Enoque Silva, Folhagem Decor, Ilmar Júnior, Jaqueline Montelo, Ellen Karen, Magazine Folia, Marcos Duailibi, Natty Santana, Osvaldo Rodrigues e Rivanio Almeida.

Todos se deleitaram com o Desfile-Show Luz da Moda por Bettus Silva!

Bia Maranhão, Bettus Silva e Ilmar Júnior 

Rivanio Santos e Ilmar Junior

Jornalista Joel Jacinto, Ilmar Júnior e Bettus Silva ladeado por suas modelos.

Enoque Silva, Marco Duailibe e Bernardo Oliveira 

Modelo

Adrianne Bombom

Modelos


quinta-feira, 2 de novembro de 2023

UMA CONQUISTA DA RESISTÊNCIA QUE REFLETE EM REPRESENTATIVIDADE

Ashira Morais


Já escrevi e falei tantas vezes que quando criança eu não via em minha cidade muitas referências LGBTQIA+. Alguns que tinham - recordo de 03 deles, um era estudante e atualmente é professor, um era motorista de caminhão e um amansador de garrote e touros - hoje vejo que eram pessoas muito trabalhadores, contudo, apesar desse perfil comum a eles eram pautas de conversas das más línguas. Crescer ouvindo os comentários maliciosos e debochados a despeito deles me davam a certeza de que no futuro não muito distante eu seria o alvo. Se é que já não era...

Por um lado não havia uma geração, uma comunidade que batesse no peito com orgulho de ser quem era e exigisse o respeito a qual eles também tinham direito de forma a se tornarem referências para nós pré-adolescentes em autodescobertas em busca de inspiração e representatividade. Mas, por outro era possível perceber na minha geração - eu nasci em 1979 - e, por volta dos anos 1990, quando eu já sabia mais de mim passei a identificar características minhas comuns em vários outros. Foi um sentimento de não ser sozinho.

Eu poderia citar aqui pelo menos seis nomes de meninos que naquela época eu já sabia eram iguais a mim. E que, para além do jeito de andar e de falar, tínhamos comum o fato de sempre sermos vítimas de "brincadeiras" que hoje identificamos como atos de intimidações, humilhações e violências psicológica, o famoso bullings pelo simples fatos de sermos crianças afeminadas. Mas, não cita-los em respeito a individualidade de cada um. Contudo quero falar de uma pessoa em especial, que no ápice da pandemia do covid-19 reencontrei pelas redes sociais.

O fato é que naqueles tempos tenebrosos a vida se tornou ainda mais virtual. Assim sendo, eis que certo dia me deparo com uma indicação de amizade do Facebook. Quando vi a foto do perfil achei o rosto muito familiar, aquele olhar eu ja tinha visto, mas não o nome eu nunca tinha visto ou ouvido. Analisei com calma, fui nas amizades em comum... identifiquei que éramos conterrâneos e voltei a foto de perfil. Me concentrei no olhar e vi a criança que eu conhecia muito bem. Estou falando de Ashira Morais.

Quando criança, ainda conhecida pelo nome de primeiro registro, ela já era diferente. Vestida de menino, mas sempre foi muito delicada e educada como a menina que era. Não me refiro aqui só aos seus trejeitos. Também. Mas, falo de postura e coragem diante da vida, mais precisamente do enfrentamento aos ataques dos "coleguinhas". Enquanto alguns reagiam jogando pedra, correndo, chorando (eu), xingando ou mostrando o dedo médio, ela já respondia com palavras, tinha vocabulário, usava argumentos de gente além da sua idade. Ela respondia, dava as costas e saia de cabeça erguida. Certa de que usando palavras ninguém seria superior a ela ali. Todos eles sempre perderiam. Ela já tinha a coragem que eu queria ter e que bem mais tarde adquiri.

O tempo passou, mudei para São Luís, e a última notícia que tinha dela era de que também tinha ido embora de nossa Santa Teresa do Paruá. Nunca mais tinha tido notícias dessa figura tão marcante até o dia em que a rede social do Mark Zuckerberg me sugerir como nova amizade. Na ocasiao quando identifiquei de quem se tratava mandei um convite de amizade ao qual prontamente fora aceito. Fiquei muito contente em ter constatado que Ashila, morando em Imperatriz (MA), tinha se firmado como uma mulher trans e mais ainda quando descobri que sua inteligência e determinação a tinham levado rumo à um futuro pautado na educação. Ela agora era Teóloga, Pedagoga, Mestre em educação com ênfase em Políticas públicas e fazia o curso de Direito. Descobrir isso, não despertava em mim um sentimento necessariamente de surpresa, mas de orgulho, pois eu sabia que se ela focasse no estudo poderia ir longe. E a danada, estava (está) indo, pois soube buscar seu caminho.

Link do debate "O Paradigma Bíblico e as Homossexualidades"

Alguns dias após essa retomada de amizade, agora virtual, me deparei com um vídeo dela, na mesma rede social, fazendo um convite para um debate que tinha como titulo "O Paradigma Bíblico e as Homossexualidades", que seria transmitido pelo canal "Arena Apologética" no YouTube (a quem despertar vontade de assistir ainda  está disponível:). Na ocasião ela debateria com o Professor Dr. Mateus Rangel, apresentado por ela como um excelente pensador Cristão. Mas, porque uma mulher trans aceitaria participar de um debate com esse tema? Ela mesma disse que seria uma oportunidade para "provar que não há nenhuma incongruência bíblica em a pessoa ser gay, homossexual e professar a sua fé na pessoal de Jesus Cristo". Eu assisti ao debate. Seu opositor, de fato um professor muito estudado, mas Ashira deu uma aula de postura, educação, paciência, cordialidade, conhecimento, argumentação, fundamentação... Enfim, parece que durante a live eu assistia seu crescimento e desenvolvimento diante dos meus olhos. E constatei que seu curso de teologia não fora feito por fazer. Ela estudou a fundo. E suas falas ricas de embasamento formam uma aula de conhecimento cristão de quem de fato entendeu os ensinamentos das palavras de amor ao próximo que Cristo trouxe ao mundo. Aliás, seu nome é hebraico e significa rica, abastada.

Ashira Morais no dia do juramento na OAB Maranhão,contando com a presença do Dr Rakley Bueno, da comissão de diversidade da OAB.


De lá pra cá, essa jovem terminou seu curso de Direito e, nesta última semana, saiu o resultado das provas da ordem e qual resultado seria se não a aprovação dessa mulher incrível no exame da OAB? Confesso, que mais uma vez não fui supreendido por sua aprovação, pois sempre tive ciência de sua inteligência e já sabia de competência e qualificação. Novamente o sentimento que tive foi de orgulho, pois cada degrau que um de nós da comunidade LGBTQIA+ some, não é apenas um simples passo dado. É sim uma grande conquista. É a vitória de uma luta diária de toda uma gente que tem diariamente seus direitos negados. É a resposta a todos aqueles que riam, aprontavam, maldavam, praguejavam e nos vitimavam. É mostrar que cada pedra jogada no caminho foi usada para pavimentar este caminho, usado para nos levar aonde nós quisermos ir. A conquista de Ashira não é somente uma vitória pessoal, é também - até pelo fato dela ter se dedicado muito em busca desse sonho, mesmo com sua vida corrida diária - mas, é, principalmente, uma conquista nossa - LGBTQIA+ conterrâneos seus - e de todos aqueles e aquelas que olham para sua história e se veem representados por ela, que olham para sua trajetória e veem que sim, é possível um caminho e um destino diferentes daqueles "profetizados" pelos que nos condenam.


Viva Ashira!

sábado, 14 de outubro de 2023

CURA GAY: A MENTIRA QUE MATA


Blogueira Karol Eller


Poucas pessoas sabem que eu faço terapia há algum tempo para reorganizar minha mente das configurações feitas nela ao longo da minha vida, em especial na infância e adolescência. É nesse período da vida que nosso entendimento a cerca do mundo e da vida estão sendo formados.

Nasci em uma família grande, linda, querida, amável, solidária e muito admirada. Todos nós sempre sentimos o amor incondicional uns dos outros, apesar da discussões, bate-boca, das lapadas, puxões de cabelos e porradas (que irmãos nunca chegaram as vias de fato, né?!). É preciso registrar que, dependendo das razões e da intensidade, isso deixa marcas muito fortes, apesar dos perdões, dos abraços, beijos e carinhos.

Eu sou o oitavo filho de minha mãe e meu pai - muitos sabem que ele deixou outros dois filhos incríveis mais novos que eu e aos quais conhecemos após sua morte -. Muito cedo me descobri diferente dos meus irmãos e a questão não era com o corpo. O fato é que meus gostos eram mais próximos dos gostos das minhas irmãs e amigas apesar de sempre ter vestido azul. Tínhamos muito mais afinidades. Embora eu sempre tenha tido amigos meninos, eles tinham umas brincadeiras para as quais eu tinha até um certo gosto, entretanto não tinha as menores aptidões.  Agora imagina que se eu já me percebia diferente imagina as outras pessoas olhando para um garotinho que não tinha controle da munheca, da voz, das gargalhadas e muito menos do corpo que desenvolvia com coxas grossas, quadril largo e dos peitos com ginecomastia? Por vezes fui chamado de menina, como forma de constrangimento.

Recordo perfeitamente que ainda por volta dos meus 5 ou 6 anos meus irmãos com seus amigos (todos já chegando à pré-adolescência ou adolescência de fato), enquanto descansavam do jogo de bola do meio da rua estavam conversando sobre as meninas que achavam bonitas e eu despretensiosamente verbalizei que um homem que passa na frente da nossa casa era bonito e ganhei um cascudo de um dos meus irmãos e um coió dos colegas deles, pois homem não pode achar outro homem bonito. Foi um fim de tarde inesquecível por ter sido muito, muito traumatizante descobrir que eu estava na contramão.

Sendo eu a "ovelha pink" da família cresci sendo apontado na rua, ouvindo em casa pra sentar direito, falar grosso como homem, que eu era muito moreilão, que era para sorrir direito e tal. E vestindo azul, inclusive camisa de botão e calça de tergal... Fora isso haviam as brincadeiras homofóbicas que, embora nem sempre  direcionadas a mim, eu me reconhecia como uma criança diferente e isso me faziam sentir que eu poderia ser o ridículo da história. E haviam as situações de discussões na escola, ou com os coleguinhas vizinhos, que me faziam ser alvo dos bullings e lá vinham apelidos de veado, veadinho, baitola, boiola, qualhira e feta e tantas outras formas pejorativas usadas para ofender alguém que, assim como eu, tinha um comportamento distinto dos demais garotos. Como se não bastasse tinham as conversas nas rodinhas de fofoca sobre quem era e quem deixava de ser... Na igreja em que me congregava ouvia que os afeminados eram frutos do diabo, que não eram crias de Deus, que Deus fez Adão e Eva. Disseram tantas vezes que o contrário disso era penalizado com a desgraça de ser queimado no fogo do inferno que eu ficavam aterrorizado!!! E qual o primeiro resultado? Sai da igreja? Pq ao invés de me aproximar de Deus, fazia eu me sentir como se estivesse mais perto do diabo. Fui então procurar um diálogo direto com Deus e uma forma de compreendê-lo como um Ser Divino e Maravilhoso e conheci Ele sendo mais misericordioso do que o que me ensinavam naquela época.

Quando adolescente recebi propostas de pessoas próximas a frequentar prostíbulo... com tudo pago!!! Eram tentativas para que eu me transformasse. Já fui assediado diversas vezes para "voltar" à igreja, para "aceitar" Jesus... gente... como assim?! Por favor... nunca deixei Deus de mão e nunca Ele largou a minha. Nem nas minhas horas mais difíceis. E sou grato por ainda ter tido sanidade para perceber quando Ele tocou o meu coração no exato momento que eu supliquei pelo fim.

Sei que os tempos são outros e para alguns, que podem argumentar assim como eu já o fiz tantas e tantas vezes, que eram anos 1980 e que a temática não era bem debatida e o entendimento das pessoas não eram tão bem aprofundadas e com a facilidade de acesso às informações que se tem hoje. Contudo, um dos ensinamentos Divino, que têm mais de 2000 anos, fala de amor ao próximo. Diz que devemos amarmos uns aos outros como a nós mesmos. E a hipocrisia faz as pessoas amarem a si e condicionar o amor ao outro.

Bom, o meu resultado nisso tudo foi uma criança encucada, um adolescente pertubado psicologicamente e homem em conflito interno sobre o sua condição de vida afetiva e sua relação com o pecado, com a possibilidade de desagradar à família, os vizinhos e, o pior, a Deus, que sempre me foi pintado como um vingandor que abatia e condenava ao inferno os pecadores como eu. Cresci um ser com medo de ser "descoberto", com o horror da negação, o pânico de ser expulso de casa, de não ser amado pelos meus, de ser vítima de violência física na rua, de não ter como se manter, de não formar família e com muita incerteza do futuro. Esses foram sentimentos sempre foram gigantes e me causaram assombração a vida toda. Mais que isso, causaram-me ansiedade, depressão e a vontade de morrer para deixar de ser o problema e a causa da vergonha de todos. Foi quando tive o coração tocado num momento muito tênue de lucidez. E, graças as condições dos benefícios que a empresa onde trabalho me proporciona e, ainda me sentindo um condenado a ser a escória do mundo e da vontade Divina, procurei ajuda médica especializada, pois não aguentava mais minha mente tão conflituosa. Já se passaram mais de 10 anos e ainda sigo com meus acompanhamentos psicológico e psiquiátrico, pois, além disso tudo, a vida de adulto vai adicionando outros elementos que fazem com que precisemos de suporte para solucionar, ou pelo menos compreender, muitas situações pelas quais passamos.

Em paralelo a tudo isso mantive a relação familiar de muito amor e respeito, boa relação com amigos e colegas apesar das divergências que a vida impõe. Pois, dentro de todo esse contexto busquei trabalhar a minha compressão da época de criação, o acesso a informações, o limite de interpretação e a capacidade intelectual para compressão de cada um deles.  Com isso alguns foram compreendidos e aproximados e outros distanciados do meu convívio, pois não sou obrigado a conviver com quem não me enxerga como um ser filho de Deus, como acredito ser. Aliás, como sou!

Estes dias vi umas postagens com a frase "Não somos homofóbicos. Nós amamos o pecador, mas abominamos o pecado"... Na minha compreensão, que passa pelo meu sentimento, isso não ajuda em nada, não elimina o preconceito e não faz bem algum ao "pecador". A frase pode até aliviar a consciência de quem a emprega ou publica. Mas, ela é mais uma reafirmação daquilo que ouvi a vida toda... a vida do homossexual é um pecado abominável, que significa detestável, execrável, odiável, odioso... É reforçar uma cultura de ódio, é dizer que esse "mal", que é a vida da comunidadeLGBTQIA+, é passível de ódio, pois é errada. E, sendo a homossexualidade minha condição de vida - uma vez que nasci assim -, é dizer que eu sou um erro!... "olha eu te amo... mas odeio a tua vida, pois ela é reflexo e sinônimo do que você é... mas, oh... eu te amo tá?!"... oi????

Estes dias eu vi uma notícia que me deixou muito triste e com medo, pois foi um gatilho muito forte na minha cabeça, dadas a todas estas situações mencionadas acima. Uma blogueira que conheci pelas redes sociais por ser homossexual, no caso lésbica, e por ter suas convicções políticas completamente de direita, apoiando um candidato declaradamente homofóbico (na dúvida dê um Google), voltou às manchetes em todos os veículos de comunicação.

Karol Eller era o nome da blogueira. Foi poiadora do último ex-presidente e entrou em conflito interno, quer dizer... ela entrou no mais alto nível de batalha, de guerra consigo mesmo. Sabe por qual razão??? Pelo "absurdo, imperdoável e ABOMINÁVEL pecado" - contém ironia - de ser lésbica.  Chegou a um determinado ponto de situação da vida da Karol que  ela "deixou de querer ser" quem ou como era de fato. Isso ocorreu depois que passou a frentar uma igreja de pessoas que tinham as mesmas convicções políticas que as suas e que lhe propuseram um processo de cura da sua homossexualidade. Ela, por alguma razão que nao conhecemos, aceitou ser "curada".

Sabe-se lá os meios utilizados para esse processo de "cura"... o fato é que ela, uma mulher lésbica, jovem, determinada, corajosa, cheia de vida e de opiniões fortes passou a se reprimir, a se negar, a se anular e entrou em conflito com o que era, com o que diziam ser a verdade, com o que não queria mais ser, com o que ouvia como palavra de salvação, com o que agora queria ser e, principalmente, com o que era de fato... Gente, quando se está nesse nivel de situação é uma tortura interna involuntária! Só quem já passou por esse nível de confusão mental, independente das razões, sabe do que estou falando.

Karol Eller deve ser sofrido muito. Aliás, ela sofreu demais! Um sentimento, um sofrimento - isso sim abominável - que não se deseja nem ao pior inimigo que por ventura se possa ter. Contudo, o sofrimento de Karol Eller acabou. Pena que da forma mais triste que poderia ter sido... Ela pôs fim, não apenas aos sofrimentos causados pelos conflitos internos gerados pelos seus algozes externos. Ela pôs fim a sua história. Ela perdeu a própria guerra.

E eles??? O que serão de seus "salvadores", como seguiram seus "curandores"? Eles seguirão como tantos outros... seguirão amando tantos e tantas outras Karols e abominando seus pecados que é viver sendo quem são. E a cura gay seguirá como sempre foi, através da auto-eliminação.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

INFÂNCIA NOS ANOS 80 E 90 EM SANTA TERESA DO PARUÁ

Minhas irmãs Rogenia e Rogenia, Rafaela - sobrinha de minha tia, Tia Ana e eu.

Toda vez que vou tomar banho gosto de assistir pelo YouTube os cortes do programa "Que história é essa Porchat?". Nesse programa as pessoas convidadas, geralmente os famosos e pessoas da plateia, contam situações inusitadas e engraçadas que já passaram. Muito bom!!! Ao final do programa ele sorteia algumas perguntas que os artistas convidados devem responder. Uma das perguntas é "qual sua primeira lembrança?". Toda vez que vejo essa parte do programa eu sempre me faço mesma pergunta. E viajo no tempo ao tempo de minha infância.


Algumas coisas, confesso, gostaria de nunca mais lembrar, pois foram coisas que, descobri na terapia, me desconfiguram o psíquico ou, pelo menos, me programaram de forma equivocada. Kkkkk Não me refiro a minhas essência ou a minha condição afetiva. Mas, falo de questões de postura, ponto de vistas, desenvolvimento de um jeito mais intempestivo e outros modos de agir em determinadas situações... enfim. Um dia escrevo exclusivamente sobre isso. Hoje quero falar das boas lembranças. Afinal, além de ser dia de N. Senhora Aparecida, hoje é dia das crianças.


Tenho muuuuitas lembranças de minha infância, lá em Santa Teresa do Paruá, e gosto de escrever sobre elas pelo fato de me ajudarem a fincar o pé no chão e por me ajudarem no processo de reconfiguração da minha cabeça - todos os psicólogos que já me atenderam agradecem kkk - e por ser a forma de contar um pouco daquela cidade onde nasci e vivi, hoje sei disso, muitos momentos felizes e importantes.


Hoje quando vejo as crianças tendo que ficar dentro de casa, presos às telas, sinto uma pena enorme pela falta vivência com interação como antigamente. Experiências importante na formação de caracteres e, em especial, de formação de memória afetiva que nos fazem crescer e amadurecer de forma mais saudável e felizes.


Minha rua, aliás, minha pequena cidade sempre teve muitas crianças... sinceramente não sei se pela falta de TV e energia elétrica - esta só chegou por volta de 1989 mais ou menos -. Mas, o fato é nossos pais eram de uma geração em que se tinham muito filhos. Então era comum se ver muitas "patotinhas" de "pariceiros" pra todo lugar que se virasse.


Recordo perfeitamente que ao lado de minha casa, tinha um galpão que era de propriedade de amissímo nosso, Sr. Sebastião Falafina. Esse galpão foi hospital, usina e depósito. Mas, antes disso tudo recordo que foi uma espécie de cinema do Sr. Paraguçu. Lá assistir alguns filmes de Os Trapalhões e onde eu assistir, não recordo se um clipe ou filme, que tinha a música "O Menino da Porteira" do cantor gaúcho Teixeirinha. 


Naquela mesma época curtíamos as brincadeiras que tínhamos conhecimento e

para as quais usávamos as ruas que eram só de areia, muito antes de colocarem piçarra e depois asfalto. Brincávamos de jogar bola, de guerriou, partido, brincadeira de roda, boca-de-forno, cair dentro do poço, passar anel, cola, queimado, trinta e um, esconde-esconde, comer peixe com chuncho, soltar papagaio, jogar peteca (bola de gude), pega varetas (na calçada), jogo de dominó, jogo de damas, correr na correnteza em dia de chuva, andar de bicicleta pela cidade à noite, contar histórias em noites de lua, banhos no cai n'água e saltos mortais nas cascas de arroz das usinas.Tínhamos muita interação entre nós. Nossa vivência era de muito companheirismo e consideração de vizinhos quase irmãos. Eram tempos que tínhamos liberdade de entrar e sair da casa qualquer pessoa com tranquilidade.


Fora as brincadeira que sempre tiveram como principal elemento de interação humana entre as crianças lembro com admiração , sem querer romantizar as nossas dificuldades de então, dos diversos brinquedos fabricados pelos pais ou pelas próprias crianças para suas diversões. Brinquedos como cavaletes de pau, cavaletes de casco de coco e cordão, carrinhos se lata de sardinha, ônibus e caminhões com lata de óleos, avião de papel, carrinho de rolimam, baladeiras, pião, bola de meia, papagaios e um - nao recordo o nome - que era uma lâmina de tampa de garrada refrigerante (de vidro) para cortar cordão em disputa de cortes dentre vários outros brinquedos caseiros.


Recordo que na falta de atrações e, para que todos tivessem entretenimento, os professores e alunos se juntavam com o pessoal da comunidade católica para organizar peças de teatro - dramatizações - e shows de calouros para os quais iam pessoas de todas a região e que me deixaram grandes imagens na memória como Raimundinha filha Quinô e esposa do Guilherme - mãe da Gleice minha amiga querida - se apresentou vestindo um saião xadrez e cantou "É de Chocolate", sucesso do grupo Trem da Alegria. Lembro do Hildo de Dona Zenilde cantando sucesso de Tribo de Jah. O Professor João Lira sempre arrasava em tudo que tocava e cantava... a plateia lotada pirava nas torcidas. Eram lindo!


Um dos anos mais mágicos foi o ano em que fizeram uma espécie de show da Xuxa Cover em que minha amiga Graciélia - que anos depois foi prefeita da cidade, já com nome de Presidente Médici - se vestiu de Xuxa, dublou e dançou suas músicas e fez sorteios reais de presentes dos quais eu fui um dos sorteados sem nenhuma combinação. Fiquei emocionado real. Kkkkk. Como Paquitas - elas hão de me perdoar pela lembrança - teve a hoje vereadora Eliane Fernandes, a Nara filha do João José e minha irmã Rogenia. Acho que elas faziam a 7ª ou 8ª série na época. Foi um dia maravilhoso.


Outra lembrança que tenho, esta nada agradável, mas que ajudou eu a iniciar meus dotes artesanais. Lá pelos idos dos anos 1980 a mortalidade infantil ainda era alta. Naquela época os anjinhos eram enterrados em caixões improvisados. Alguns rapidamente feitos de madeira ou em caixas de papelão. Em qualquer das alternativas as urnas funerárias eram sempre decoradas com florzinha de papel de seda branco, amarelo, verde, azul ou rosa. E foi fazendo flores para decorar caixões de anjinho que iniciei com meus trabalhos manuais. Eu tinha pavor de gente morta, contudo os casos pertinho de casa eu sempre dava um jeito de ajudar no trabalho apesar de eu ainda ser só uma criança também.


Como estamos no mês de Santa Terezinha, Padroeira da Cidade, recordei que pelos anos 1990 (não recordo o ano exato) tivemos uma grande gincana que movimentou a cidade todinha. Recordo de algumas provas que foram feitas como arrecadação de fruta da época, no caso caju - que foram direcionados para produzir suco para estudantes das escolas -, dramatizações contando a história da cidade, que foi fundada pelo Sr. Guilherme (irmão da D. Laura Parteira) - o mesmo que fundou a cidade de Centro do Guilherme - e a criação de uma música para a cidade. Engraçado que não me sei nada da música da minha equipe, mas lembro um bocado da música do grupo campeão. A música foi feita pelo professor Margalhães, uma versão de "Eu quero apenas", de Roberto Carlos.


"Santa Teresa terra bela e santa

Teu povo unido brinca, ora é canta

Glorificamos teu lindo nome

Exemplo pra mulher, menino, jovem e homem.


Tua terra é santa, de muita beleza.

Também protege sua natureza.

Glorificamos teu lindo nome

Exemplo pra mulher, menino, jovem e homem...".


É isso... não dar para recordar minha infância sem recordar tantos momentos vividos na minha Santa Teresa do Paruá.



terça-feira, 30 de maio de 2023

BABADO NO MISS MARANHÃO GAY OFICIAL 2023

Por Rivanio Almeida Santos 

Em uma evento incrivelmente glamouroso - cheio de gente linda e elegante - no último domingo, dia 28 de maio, aconteceu o Miss Maranhão Gay Oficial 2023. O concurso que elege a representante do Estado para alguns certames nacionais.


Sob coordenação de Itamilson Lima - Coordenador Maranhão do Miss Brasil Oficial (Juiz de Fora - MG) e Coodenador Maranhão do Miss Brasil versão Bahia - em parceria com o produtor Wallen de Sousa a noite contou com shows impecáveis de nomes importantes do cenário da noite LGBTQIA+ maranhense. Fizeram a noite brilhar nomes como Luana Phifer, Bia Maranhão, Suzany D'Castro, Surama Wilker, Adriane Bombom, Monique Skaranze, Nicole Ruy Barbosa, Yana Biankini e Natália Calazans. Todas, eu disse TOOOOO-DAS, foram fabulosas!!!!



Antes dos Desfiles que escolheriam a Miss Maranhão Gay Oficial 2023 aconteceram duas Coroações importantes.  Ariely Duailibe fora coroada Miss Transex Maranhão para concorrer em disputa nacional.  Monique Skaranze, aclamada pelo coordenador Itamilson, recebeu faixa e coroa de Miss Maranhão Versão Bahia para disputar o título nacional que acontece em Savador.


No evento que teve como patrocinadores o Vereador do município de São Luís, Astro de Ogum e a Prefeitura de São Luís, por meio da Secretaria de Cultura do Município de São Luís, a vencedora foi a belíssima Eloá Síndice - representante da cidade de Imperatriz - e Tiara Garcia - representante de Balsas -,  segunda colocada, acabou ganhando o título e a faixa de Miss São Luís Gay Oficial 2023.

Aí vem a questão... mesmo ganhando o certame que elege a que seria a representante para o concurso oficial nacional, a ganhadora Eloá Síndice não poderá concorrer ao título Miss Brasil Gay Oficial 2023 - Mas, continuará sendo a MISS MARANHÃO GAY OFICIAL 2023 ostentando faixa e coroa para todas as demais possibilidades, eventos e ocasiões -. A missão de representar o Maranhão nessa competição específica ficará a cargo da segunda colocada, Tiara Garcia. Ocorre que Síndice já é detentora de um título nacional - ela é MISS BRASIL Gay das Américas 2021 - e o concurso MISS BRASIL Gay Oficial (Juiz de Fora - MG), para o qual ela fora eleita representante do Estado, no item 5.1 do regulamento que direciona o concurso não aceita candidatas que tenham outros títulos nacionais. Muito claro!!!

O fato tem chocado alguns fãs do concurso e da candidata eleita na noite de domingo. Alguns até tentam culpar e descredibilizar a organização do concurso. Mas, vem comigo... todo concurso em que alguém deseja se inscrever tem edital/regulamento como guia. Cabe a quem vai se candidatar em algum certame a algum cargo ou posto a necessidade de se informar sobre o tal regulamento para saber se ela está elegível à vaga desejada.  Toda candidata a Miss, tem uma equipe que lhe assiste e um coordenador que, além de investir, orienta a candidata sobre o que vestir, a melhor maquiagem, passarela e o cabelo que lhe cai melhor para cada competição. Muitas vezes,  ou quase na totalidade das vezes, os coordenadores - muitos chamados de mãezinhas - diante de um certame que abre inscrições escolhe a sua candidata dentro de seu leque de opções a melhor em condições para certo concurso. Então, ao meu ver - lembrando que esse blog eu criei ora escrever o que eu vejo, ouço e sinto -, cabe a candidata, e ao seu coordenador, buscar informações junto à coordenação do desejado concurso sobre as regras, os dispositivos, os preceitos, o regulamento, guia  ou seja lá o que for. Acho que não cabe a organização do concurso fazer qualquer investigação prévia de cada candidata em especial quando estamos em uma cidade relativamente pequena e se trabalha com o princípio da confiabilidade - Até pelo fato de que a candidata (lindíssima) nada escondeu e de que o concurso local não tem tal exigência, pelo menos até esse ano não tinha. A cobrança é do certame nacional, que fique claro. Mas, o que não pode é se inverter os papéis de cada personagem.


É louvável o trabalho sério e transparente do coordenador Itamilson Lima em, menos de 24h da realização do evento local, vir a público esclarecer os fatos para que a candidata tenha tempo de recorrer à coordenação de Juiz de Fora explicando o título que detém e que a está impedindo de seguir como a representante maranhense.

Por fim... É esperar para ver o resultado final da questão. Pois, uma solução para que o Maranhão não fique sem representante já fora dada. E se este for a do veredito final, todo sucesso a Tiara Garcia. Sua elegância, beleza, meiguice, olhar sapeca, seu jeito lolita e um investimento em uma passarela segura e madura poderá fazer um bom barulho, quiçá um título, em Juiz de Fora.




sexta-feira, 7 de abril de 2023

MÃO DE PRETA E SEUS SABORES

 


Quando se diz que o Maranhão é rico culturalmente refere-se obviamente a toda a forma de expressão que nossa gente construiu através da história e da mistura vinda dos colonizadores europeus, dos povos originários indígenas e dos pretos africanos escravizados. Resultando o que hoje expressa através de celebrações ou rituais e festas.  E dentro desse movimento estão incluídos os principais elementos que são importantes a estas expressões de felicidade e de fé tais como dança, música e a gastronomia.

Sendo assim, ao se falar das riquezas culturais maranhenses é mais que obrigatório falar-se também de sua gastronomia cada vez mais vasta em influências nacionais e internacionais. Mas, que nunca esquece ou deixa de lado os sabores de seus comeres e beberes regionais oriundos especialmente das influências indígenas e africanas. Fortemente baseadas em frutos do mar, nossa cozinha é consumida em datas especiais como agora na Páscoa, no festejos juninos, em qualquer outra festa religiosa ou comemoração familiar.

Há alguns meses inaugurou no bairro da Jordoa, na região do João Paulo em São Luís um minishopping encantador. Trata-se do Food Park São Luís, que surgiu trazendo algo que faziam muita falta para nós moradores do bairro, um bom local onde pudesse ter uma certa variedade gastronômica e sentimento de segurança. A vila tem uma pegada bem interessante pois junta no seu complexo sorveterias, pizzarias, bares, docerias, parquinho infantil e restaurante. Oferecendo ainda qualidade e praticidade.

            Quem já teve oportunidade de provar os serviços de algum dos vários empreendimentos instalado no empreendimento, sabe a que me refiro. Lá um dos meus prediletos sempre foi o Mão de Preta Studio Gastronômico, do nosso querido amigo Itamilson Lima, que além da amizade que temos prima pela qualidade em tudo que faz. O que antes um espaço pequeno para o tamanho da qualidade e do sabor da comida oferecida, mas que atendia com bastante dignidade quem não se importava em degustar sentado nas mesas dos espaços comuns da vila. Passou por um processo de mudança e agora reinaugurou em formato bistrô, mais amplo, com ambientes aberto e climatizado proporcionando aos seus clientes mais conforto, comodidade, privacidade e zelando, como sempre, pela excelência.

Com empresário e Itamilson Lima e o turismólogo e artista visual  Enoque Silva

            O ambiente é novo, lindo, moderno e muito acolhedor, mas a atração é mesmo o cardápio, pois além de ter bebidas que todos gostam e petiscos deliciosos, os pratos principais levam nomes de mulheres pretas importantes à nossa história buscando valorizar e enaltecer nossa ancestralidade africana através da culinária regional, que, como já disse, é um dos pontos mais fortes do nosso Estado – eita que me encho de orgulho em falar isso -. Tereza de Benguela, Catarina Mina, Dandara, Maria Firmina dos Reis e Nan Agotimê são homenageadas em pratos que levam carne de sol, camarão fresco, camarão seco, carne e patinha de caranguejo, banana frita, vatapá, queijo e muito mais ingredientes de nossa cozinha servidos em apresentação impecável.

Uma das Delícias do Mão de Preta

            E como se não bastasse fazer nossas noites ainda mais deliciosas a partir de agora também funciona para almoço, atendendo mais uma demanda da região, e para quem procura um espaço para fazer alguma comemoração faz pacotes para grupos a partir de 10 pessoas.

            É bom saber e ver que ainda existem pessoas que veem em nossa cultura oportunidades de investir recursos e competências na criação de um negócio local que gere um movimento importante capaz de alavancar um negócio, proporcionar mudança na vida de pessoas através da geração de empregos sem reinventar ou descaracterizar nossa ancestralidade. Mantendo nossos sabores sempre gostosos pelos sabores das combinações gustativas e pelo gosto da história de mulheres incríveis.

           

 

sábado, 1 de abril de 2023

TEMPOS DE CHUVA, BOAS MEMÓRIAS E TEMPOS DIFÍCEIS




Enfim chegou abril e ele começa com muita chuva me deixando apreensivo com as cidades do Maranhão que já tem sofrido com os temporais que chegaram com 2023. Cidades como Pedreiras, Trizidela do Vale, Bacabal, Imperatriz, Esperantinópolis e Buriticupu têm passado maus bocados por contas da quantidade de água que tem caído e alagado suas ruas. E não são apenas elas, já são mais de 40 cidades em emergência que precisam de mais atenção dos poderes públicos e sinalizam, mais uma vez, nossa necessidade de revermos nossa relação com a natureza enquanto talvez tenhamos tempo.


Vendo tantas notícias sobre a situação de enchentes, alagamento, crateras, falésias e assoreamento em cidades maranhenses recordo que nem sempre fora assim. Os anos vão passando, vamos degradando a natureza ao nosso redor e sofrendo as consequências de nosso vandalismo. Recordo que lá em 1992, houve no Rio de Janeiro a Eco 92, que foi a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Trocando em miúdos foi um encontro de líderes mundiais para discutirem e definirem um novo caminho e o que seria feito para mudarem o rumo que as coisas estavam tomando no que dizia respeito as questões ecológica do planeta. Trouxe à tona debates importantes sobre um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável.


O que naquele momento poderia ser um tema distante para muitos, principalmente para quem já vivia nos grandes centros, para nós, aluno do Colégio Santa Teresa da pequena Santa Teresa do Paruá já era um assunto de máxima importância e urgência. Pois, durante os dias que os líderes debatiam no Rio de Janeiro, nós alunos das então 4ª a 8ª série também debatíamos sobre os temas, através de pensamentos dos próprios alunos sobre os temas relacionados a questões ambientais. Cada dia um pensamento novo e um novo debate. Discussões que despertou na gente preocupação com o meio ambiente que retrazemos até hoje.

               

Ruas de Santa Teresa do Paruá nos anos 1980


     Vejamos, Santa Teresa do Paruá, hoje oficializada como Presidente Médici, é uma cidade localizado a oeste do Estado do Maranhão, na macrorregião do Alto Turi e Gurupi e microrregião do Pindaré, na chamada Amazônia Maranhense. Com estas informações já dá para imaginar como era a Santa Teresa, e as cidades adjacentes,  da minha infância nos anos 1980. Éramos rodeados de matas que mesclavam grandes árvores amazônicas e palmeiras de babaçu , que davam sustento de muitas quebradeiras de cocos.


Minhas lembranças dessa época são muitas e quero compartilhar algumas que foram ficando cada vez mais raras de acontecer. Recordo, por exemplo, do amanhecer recoberto de neblina. As vezes era tanta que não conseguíamos enxergar quem estava na calçada da casa vizinha, quer da casa defronte ou das casas laterais. A quantidade de neblina por vezes tornava ainda mais perigosa atividades então simples – a necessidade faz com que algumas afazeres não pareçam perigosos - como ir, aos meus 10 ou 11 anos, beirando a BR-316 pedalando minha pequena monareta cinza prateada  à chácara pegar o leite das poucas vacas que tínhamos, mas que ajudaram muito na nossa criação.

Eu na mata de Presidente Médici em 1992.


Recordo também do período de chuva... de enchente só lembro de uma que inundou a casa do meu vizinho Domingos Araújo. Não recordo de outra. Lembro sim que o então povoado ainda não tinha ruas asfaltadas e quando as chuvas estavam chegando faziam subir um cheiro de terra molhada ma-ra-vi-lhooo-so!!!!! Eu corria sobre a areia quente sendo molhada pelos primeiros pingos das chuvas para sentir aquele cheiro que muito me agravada. Outra coisa memória que qualquer chuva me traz é a correnteza que se formava no meio da rua, onde eu brincava com o meninos – Orisfran, Clayrerison, Sanclay, Santídio, Rosivano, Rosimano, dentre outros... (detalhe para os nomes diferentérrimos, que são uma atração a aparte rsrsrs) -.  Costumávamos brincar de corridas, durante a chuva nós mesmos corríamos no meio da água e quando a chuva passava fazíamos barquinhos de papel que soltávamos nas ondulações das águas pluviais.

Minha Casa nos anos 1990


Lembro ainda que próximo à minha casa,  na Rua São José, ou Rua do Gogó - esquina com a casa de Seu Mariano Branco (depois vendida ao Seu Domingos Brígida) - tinha uma parte  baixa a qual a cada chuva enxia com muita água vinda dos quintas das casas vizinhas. Lá muitas crianças brincavam antes e depois das chuvas, mas lá eu era proibido de brincar por cauda das condições de sujeira que as águas traziam dos referidos quintais vizinhos. Eu então pegava a monareta e ia pedalar sobre uma estreita ponte de madeira para ver as outras crianças de divertido e eu pelo menos interagir de alguma forma. Assim eu também me divertia.


As chuvas desse ano deixam-me saudosista pelas minhas boas lembranças e por saber que muitas pessoas, de outras cidades, também têm em suas memórias boas recordações desse fenômeno natural tão fundamental à vida. Mas, essas chuvas têm me deixado cada mais preocupado com o destino da humanidade, em especial daquelas pessoas que estão sofrendo com o hoje por conta das enchentes e, no caso de Buriticupu, com o risco de a cidade sumir do mapa por conta das falésias que estão engolindo casas e até ruas.


Estamos vivendo dias preocupantes para uns, desesperadores para outros, mas difíceis para todos. Vivemos dias que carecem de ação urgente de forma geral. Precisamos de ação imediatas dos poderes públicos e órgãos governamentais, mas, sobretudo, de mudanças de atitudes e estilo de  vida por parte de nós, seres humanos, os únicos responsáveis por tudo isso que vem nos maltratando e nos matando.

 

 

quinta-feira, 2 de março de 2023

SOBRE MARROM - O MUSICAL

 No último fim de semana fomos, Enoque e eu, convidados pelo Relações Públicas e Cerimonialista Neto Medeiros para irmos a Pré-estreia do espetáculo “Marrom, O Musical” em São Luís que seria -  e foi – ontem no Teatro Artur Azevedo. Lá fomos nós!

O musical em questão é um espetáculo idealizado pelo produtor Jô Santana, escrito e dirigido por Miguel Falabella em homenagem aos 50 anos de carreira da minha conterrânea, a cantora Alcione Nazareth. Eu particularmente fui cheio de ansiedade, pois Alcione foi a primeira grande voz nacional que me atraiu meus ouvidos e coração - eu ainda criança de meus 10 anos de idade. E, além de tudo, era maranhense, o que já me fazia sentir orgulhoso de ser da mesma terra dessa mulher tão gigante. 

Confesso que minha ansiedade em assistir ao espetáculo era maior para ver o trabalho de quatro artistas, também maranhenses -  Anastácia Lia, Millena Mendonça, Jefferson Gomes e Fernando Leite – selecionados em oficina da produção um ano antes. E quando digo que minha curiosidade era nesses três não é desmerecendo o criador, o autor e diretor e tampouco a homenageada. Eu não teria esse imensurável nível de audácia. Muito  pelo contrário... É justamente pela certeza que juntando Jô Santana (vejamos o sucesso que foi musical de Cartola), Falabella ( o rei dos musicais brasileiros) e Alcione (dispensa qualquer apresentação) o resultado não poderia ser outro que não um grande trabalho e um grande sucesso. A questão é, exceto pelo rapazes que não os conheço pessoalmente, as meninas, Anastácia e Millena, são duas grandes amigas queridas que o Projeto RicoChoro ComVida (quem já me conhece sabe) e o Carnaval me deram respectivamente. Então, não é sobre conhecer seus potenciais e torcer para que desse certo. É sobre ver que deu tudo certo. É ver o quão longe nossos artistas ainda podem chegar. É ver a arte maranhense no topo (vide Alcione) e ver aparecer outras grandes vozes que por aqui mesmo já sendo conhecidas ainda estão na estrada buscando construir seu legado no cenário musical.

Como se não fosse o suficiente o musical tem uma pegada sócio-cultural incrível. Os mais de 300 figurinos foram bordados pelas mãos de mulheres da Cooperativa Cuxá, sediado no Complexo Prisional de Pedrinhas. E ontem elas estiveram também na plateia cheias de orgulho de seus trabalhos vestirem um outro trabalho que traz na narrativa a história de uma artista tão singular e importante quanto a Marrom. Dava para ver em seus olhares e na postura de sentar ali, de frente, cara a cara com as cenas.

A noite foi linda! A noite foi emocionante!

A vida da nossa Marrom de fato foi muito bem desenhada associada ao auto do bumba-meu-boi, o sonho de menina, a relação familiar, a mudança de Estado, as viagens pelo mundo, os grande sucessos... tudo saindo de vozes maravilhosas de rapazes e moças que a cada nota cantada encantavam todos ali presentes e ao final de cada música arrancavam salvas de palmas de um público emocionado e orgulhoso de estar tendo esta oportunidade de ver no palco do Artur Azevedo algo que celebra a carreira de uma artista do quilate da grande Diva maranhense.


Para mim os destaques estão para começar no fato de ser um elenco com quase a totalidade de talentos pretos. Depois, no primeiro ato, o momento em que a atriz que interpreta Dona Felipa, mãe de Alcione, revela ao marido que alimentou o filho da amante dele por saber que a criança é irmã de seus filhos e então ela canta a música “A loba”... gente, o público vai ao delírio. O outro destaque, e, a meu ver, o ápice do musical está no segundo ato, em que tem um trecho do espetáculo que são todas as mulheres de vestidos amarelo e perucas – acho que inspirados na capa do LP “Pra que chorar” de 1977 -. Cara... essas mulheres fazem um pout-pourri de grandes sucessos “Alcionianos” entre um cenário que é uma mandala de escadas que giram fazendo as várias Marrons desfilarem suas vozes pelo palco do teatro. E ao fim desse momento épico o público aplaudiu sem parar por cerca de 5 minutos sem parar. Foi pra lá de lindo!  Putz grila... foi maravilhoso demais!!! E que me desculpem todas as demais cantoras e as rapazes que foram fenomenais e levaram tosos ao delírio, mas preciso falar de Anastácia e Millena... elas me fizeram chorar de emoção e orgulho!!! Saí dali de peito cheio!

O espetáculo “Marrom – O musical” fica em carta em São Luís de 02 a 04 de março no Teatro Artur Azevedo e terá algumas apresentações gratuitas para que o público em geral. E quem tiver oportunidade de assistir que não perca de forma alguma, pois vale muito à pena. Não falo de ver uma peça de teatro simplesmente. Falo é de ver, dentro de casa, talentos maranhenses brilhando em mais alto nível artístico para celebrar o nome da principal voz da música maranhense e nacional e uma das maiores do mundo!

Artistas maranhenses no musical. Fonte: Jornal Pequeno 

 

 

 



domingo, 12 de fevereiro de 2023

MENTIRAS DE UM CARNAVAL INESQUECÍVEL

   

Carro abre-alas Grande Rio, 1999
      

         Quem me conhece hoje envolvido com o mundo carnavalesco pode até imaginar que nasci e me criei nesse universo cheio de plumas e paetês. Mas, não... muito pelo contrário! Nasci e fui criado em igreja evangélica, onde fiquei até me entender por gente e por perceber que temos várias e óbvias divergências, que não é o ponto desse texto. O fato é que, mesmo nunca tendo entrado em um salão de bailes de carnaval, sempre fui fascinado por esse mundo de samba, alegria, brilhos e glamour que somente o carnaval, em especial desfiles de escolas de samba, pode nos proporcionar. Obviamente que, morando no interior do Maranhão, somente poderia contemplar os desfiles pelas transmissões da TV’s Manchete e Globo.

A primeira vez que brinquei carnaval fora em 1995, com minhas irmãs Rogenir e Rogenia em um cortejo do Bloco Afro Akomabu, aqui de São Luís. Eu que tinha participado, ainda no interior, de oficinas de dança afro, pus para fora naquela tarde de domingo todo meu repertório corporal das danças que aprendi virem dos nossos ancestrais. Foi libertador, empolgante... emocionante! Minha empolgação foi tamanha que no dia seguinte restou-me ir à escola sob efeito do maravilhoso Dorflex. Aos 17 anos eu já não tinha idade para tanta empolgação.

No final de 1997, eu conheci Enoque que vim a saber na ocasião que no ano seguinte seria Destaque de Carnaval da Grande Rio, no Rio de Janeiro, e já estava atuando como carnavalesco de uma escola de samba local, a Unidos de Fátima para o desfile de 98. Era tudo muito recente pra mim e eu ainda não conseguia entender tanta novidade e nem tinha a menor noção onde eu estava entrando. Então naquele ano tive uma experiência fantástica, assisti aos desfiles da escola de samba do Rio de Janeiro sabendo que alguém que conhecia estava ali entre tanta arte, cultura e beleza.

O tempo passou e, faltando meses até o carnaval de 1999, Enoque me convidou a ir com ele para o desfile do Rio. Eu aceitei de imediato sem me lembrar que eu era um jovem desempregado e que eu não tinha um prego pra enfiar numa barra de sabão. Mas, como eu já lhe ajudava em seu trabalhos locais dei a desculpa em casa que  iria ajudar em um trabalho de carnaval na cidade de Codó, interior do Maranhão.

No dia da viagem fui ao aeroporto deixando em casa todos estranhando o fato de eu estar arrumado para quem iria viajar de ônibus para o interior do Estado. Eu que já vivia em estado de frio na barriga e ansiedade desde o dia do convite, não sabia que essa sensação só poderia piorar. Pois bem, quando estávamos no aeroporto sentados a espera da hora do voo o primeiro susto... chega Roberto Costa, hoje Deputado Estadual, que é sobrinho do meu cunhado José Costa, marido de minha irmã e madrinha Rogener, e me cumprimenta.  Apressei a todos para irmos à sala de embarque para que eu não passasse por outro encontro com algum outro conhecido.

Como quem mente não tem um momento de sossego ao entrar na sala de embarque me deparei com meu Professor Lobão e esposa,  ele tinha sido meu teacher de biologia do terceiro ano justamente no Colégio Santa Teresa de São Luís, onde Rogener era Coordenadora Pedagógica. E o medo e a culpa nos fazem cometer cada asneira, né?... Criei coragem e fui falar com ele,  para lhe pedir que não comentasse com NINGUÉM da minha presença no voo e ele garantiu. Sai e voltei para junto de Enoque e Biné, um querido amigo que naquele ano estrearia como destaque também na Grande Rio. Ao sentar olho para o casal, Lobão e esposa, que conversava quando faço a leitura labial dela que está perguntando “E ele vaaai viajar?”... e ele confirmou. Me lasquei! Falei... Por fim embarcamos no voo da extinta TransBrasil que, com suas elegantes aeromoças e cardápio de lanches, fazia escala em Belém e Manaus e fazia conexão em Brasília antes de chegar ao Rio.

Já na cidade maravilhosa foi como se estivesse vivendo o sonho de ser personagem de uma novela de Manuel Carlos. Os passeios pelos parques, pão de açúcar, Botafogo, Palácio do Catete, Copacabana, Ipanema, Leblon... Ah, o Leblon... nada mais “ManoelCarliano” que isso!

Chega então o dia 15 de fevereiro de 1999, uma segunda-feira de carnaval. Chegamos ainda cedo, com o dia claro, à concentração das escolas. A Acadêmicos do Grande Rio seria a segunda a entrar na Marquês de Sapucaí com o enredo “Ei, ei, ei, Chateau É Nosso Rei!” com os trabalhos do mago das cores, o carnavalesco Max Lopes. Naquele ano Enoque, que veio no carro abre-alas, vestia com uma fantasia que ele mesmo desenhara a pedido do carnavalesco e que representava o Bumba-meu-boi do Maranhão.  E Biné veio em uma alegoria como o Rei do Maracatu. 

Já estávamos no dia do desfile, tanta coisa nova eu tinha conhecido e aprendido  e eu ainda não acreditava em tudo que estava vivenciando ali. No meio de tanta arte me deu sensação de estar dentro de uma obra de arte viva e, deveras, estava. Para quem só via as coisas pela tela da televisão tudo era grandioso e mágico. Para todos os lados que me virava dava de cara com artistas conhecidos da TV. Só no carro que enoque estava tinham Mônica Carvalho, Raul Gazolla e Beto Simas, a Rainha de Bateria era Suzana Wenner. Naquele ano quem estava em alta era a então modelo Luciana Gimenez, que suspeita de estar grávida do roqueiro Mick Jagger, desfilou na escola com todas as câmeras querendo registrar sua barriga desnuda, que crescia sob as especulações da veracidade da paternidade mundialmente famosa. Dividindo o reinado do Maracatu com Biné, a estonteante atriz Zezé Motta, a eterna Chica da Silva do cinema. Aliás não sei se ela percebeu meu olhar embasbacado e admirado por tê-la ali na minha frente. Sei que ela me devolveu um sorriso encanador que me aqueceu o coração nervoso de quem se beliscava às escondidas para ter certeza que não era um sonho louco.

Alegoria Rainha do Maracatu, com Zezé Motta


Foi um ano inesquecível para mim. A escola campeã daquele ano foi a Imperatriz Leopoldinense que conquistou seu sexto título com o enredo “Brasil, Mostra a Sua Cara em... Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae” da carnavalesca Rosa Magalhães. Nós ficamos com o sexto lugar que para mim já tinha gosto de vitória. Aliás, tudo ali tinha sido glorioso.

Estava eu muito emocionado por realizar um sonho que nem eu sabia que tinha desde infância. Era como se eu estivesse em transe e somente uma coisa me tirava do transe e me punha na minha realidade de quem tinha pregado uma mentira em casa, as câmeras da TV globo em chamadas ao vivo. Aliás, na justa hora que eu estava diante de Zezé Motta estava também atrás de uma repórter que estava ao vivo na Globo News e, por sorte minha, não na TV aberta.



Chegou o dia de voltar para a realidade... era hora de “voltar de Codó”. Foi um carnaval maravilhoso e eu nem foto pude fazer. Afinal, não poderia ter provas da minha mentira. Minha pequena mentira tinha dado certo, ninguém ficou sabendo de nada. Ou, pelo menos, ninguém tinha brigado comigo. Os dois que me flagraram no aeroporto não tinham me entregado, eu acreditava piamente. A minha primeira semana após minha chegada do rio de Janeiro fora muito tranquila. O frio na barriga tinha por fim sessado. Estava  eu em estado de “Uuuufa... deu certo!” Até chegar o domingo seguinte, quando recebemos a visita justamente do casal Rogener e José Costa. Eu estava todo falante, doido para compartilhar meu dias de folia global, mas não podia falar demais. Até que Costa me pergunta em tom quase sarcástico e entregador:

                - E então Rivânio... como foi em Codó?...

                - Ora, Costa... foi bom, mas é um cidade como toda cidade do interior... uma rua que entra, outra que sai e uma igreja no meio. Respondi tremendo e achei logo o que fazer na rua.