domingo, 12 de fevereiro de 2023

MENTIRAS DE UM CARNAVAL INESQUECÍVEL

   

Carro abre-alas Grande Rio, 1999
      

         Quem me conhece hoje envolvido com o mundo carnavalesco pode até imaginar que nasci e me criei nesse universo cheio de plumas e paetês. Mas, não... muito pelo contrário! Nasci e fui criado em igreja evangélica, onde fiquei até me entender por gente e por perceber que temos várias e óbvias divergências, que não é o ponto desse texto. O fato é que, mesmo nunca tendo entrado em um salão de bailes de carnaval, sempre fui fascinado por esse mundo de samba, alegria, brilhos e glamour que somente o carnaval, em especial desfiles de escolas de samba, pode nos proporcionar. Obviamente que, morando no interior do Maranhão, somente poderia contemplar os desfiles pelas transmissões da TV’s Manchete e Globo.

A primeira vez que brinquei carnaval fora em 1995, com minhas irmãs Rogenir e Rogenia em um cortejo do Bloco Afro Akomabu, aqui de São Luís. Eu que tinha participado, ainda no interior, de oficinas de dança afro, pus para fora naquela tarde de domingo todo meu repertório corporal das danças que aprendi virem dos nossos ancestrais. Foi libertador, empolgante... emocionante! Minha empolgação foi tamanha que no dia seguinte restou-me ir à escola sob efeito do maravilhoso Dorflex. Aos 17 anos eu já não tinha idade para tanta empolgação.

No final de 1997, eu conheci Enoque que vim a saber na ocasião que no ano seguinte seria Destaque de Carnaval da Grande Rio, no Rio de Janeiro, e já estava atuando como carnavalesco de uma escola de samba local, a Unidos de Fátima para o desfile de 98. Era tudo muito recente pra mim e eu ainda não conseguia entender tanta novidade e nem tinha a menor noção onde eu estava entrando. Então naquele ano tive uma experiência fantástica, assisti aos desfiles da escola de samba do Rio de Janeiro sabendo que alguém que conhecia estava ali entre tanta arte, cultura e beleza.

O tempo passou e, faltando meses até o carnaval de 1999, Enoque me convidou a ir com ele para o desfile do Rio. Eu aceitei de imediato sem me lembrar que eu era um jovem desempregado e que eu não tinha um prego pra enfiar numa barra de sabão. Mas, como eu já lhe ajudava em seu trabalhos locais dei a desculpa em casa que  iria ajudar em um trabalho de carnaval na cidade de Codó, interior do Maranhão.

No dia da viagem fui ao aeroporto deixando em casa todos estranhando o fato de eu estar arrumado para quem iria viajar de ônibus para o interior do Estado. Eu que já vivia em estado de frio na barriga e ansiedade desde o dia do convite, não sabia que essa sensação só poderia piorar. Pois bem, quando estávamos no aeroporto sentados a espera da hora do voo o primeiro susto... chega Roberto Costa, hoje Deputado Estadual, que é sobrinho do meu cunhado José Costa, marido de minha irmã e madrinha Rogener, e me cumprimenta.  Apressei a todos para irmos à sala de embarque para que eu não passasse por outro encontro com algum outro conhecido.

Como quem mente não tem um momento de sossego ao entrar na sala de embarque me deparei com meu Professor Lobão e esposa,  ele tinha sido meu teacher de biologia do terceiro ano justamente no Colégio Santa Teresa de São Luís, onde Rogener era Coordenadora Pedagógica. E o medo e a culpa nos fazem cometer cada asneira, né?... Criei coragem e fui falar com ele,  para lhe pedir que não comentasse com NINGUÉM da minha presença no voo e ele garantiu. Sai e voltei para junto de Enoque e Biné, um querido amigo que naquele ano estrearia como destaque também na Grande Rio. Ao sentar olho para o casal, Lobão e esposa, que conversava quando faço a leitura labial dela que está perguntando “E ele vaaai viajar?”... e ele confirmou. Me lasquei! Falei... Por fim embarcamos no voo da extinta TransBrasil que, com suas elegantes aeromoças e cardápio de lanches, fazia escala em Belém e Manaus e fazia conexão em Brasília antes de chegar ao Rio.

Já na cidade maravilhosa foi como se estivesse vivendo o sonho de ser personagem de uma novela de Manuel Carlos. Os passeios pelos parques, pão de açúcar, Botafogo, Palácio do Catete, Copacabana, Ipanema, Leblon... Ah, o Leblon... nada mais “ManoelCarliano” que isso!

Chega então o dia 15 de fevereiro de 1999, uma segunda-feira de carnaval. Chegamos ainda cedo, com o dia claro, à concentração das escolas. A Acadêmicos do Grande Rio seria a segunda a entrar na Marquês de Sapucaí com o enredo “Ei, ei, ei, Chateau É Nosso Rei!” com os trabalhos do mago das cores, o carnavalesco Max Lopes. Naquele ano Enoque, que veio no carro abre-alas, vestia com uma fantasia que ele mesmo desenhara a pedido do carnavalesco e que representava o Bumba-meu-boi do Maranhão.  E Biné veio em uma alegoria como o Rei do Maracatu. 

Já estávamos no dia do desfile, tanta coisa nova eu tinha conhecido e aprendido  e eu ainda não acreditava em tudo que estava vivenciando ali. No meio de tanta arte me deu sensação de estar dentro de uma obra de arte viva e, deveras, estava. Para quem só via as coisas pela tela da televisão tudo era grandioso e mágico. Para todos os lados que me virava dava de cara com artistas conhecidos da TV. Só no carro que enoque estava tinham Mônica Carvalho, Raul Gazolla e Beto Simas, a Rainha de Bateria era Suzana Wenner. Naquele ano quem estava em alta era a então modelo Luciana Gimenez, que suspeita de estar grávida do roqueiro Mick Jagger, desfilou na escola com todas as câmeras querendo registrar sua barriga desnuda, que crescia sob as especulações da veracidade da paternidade mundialmente famosa. Dividindo o reinado do Maracatu com Biné, a estonteante atriz Zezé Motta, a eterna Chica da Silva do cinema. Aliás não sei se ela percebeu meu olhar embasbacado e admirado por tê-la ali na minha frente. Sei que ela me devolveu um sorriso encanador que me aqueceu o coração nervoso de quem se beliscava às escondidas para ter certeza que não era um sonho louco.

Alegoria Rainha do Maracatu, com Zezé Motta


Foi um ano inesquecível para mim. A escola campeã daquele ano foi a Imperatriz Leopoldinense que conquistou seu sexto título com o enredo “Brasil, Mostra a Sua Cara em... Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae” da carnavalesca Rosa Magalhães. Nós ficamos com o sexto lugar que para mim já tinha gosto de vitória. Aliás, tudo ali tinha sido glorioso.

Estava eu muito emocionado por realizar um sonho que nem eu sabia que tinha desde infância. Era como se eu estivesse em transe e somente uma coisa me tirava do transe e me punha na minha realidade de quem tinha pregado uma mentira em casa, as câmeras da TV globo em chamadas ao vivo. Aliás, na justa hora que eu estava diante de Zezé Motta estava também atrás de uma repórter que estava ao vivo na Globo News e, por sorte minha, não na TV aberta.



Chegou o dia de voltar para a realidade... era hora de “voltar de Codó”. Foi um carnaval maravilhoso e eu nem foto pude fazer. Afinal, não poderia ter provas da minha mentira. Minha pequena mentira tinha dado certo, ninguém ficou sabendo de nada. Ou, pelo menos, ninguém tinha brigado comigo. Os dois que me flagraram no aeroporto não tinham me entregado, eu acreditava piamente. A minha primeira semana após minha chegada do rio de Janeiro fora muito tranquila. O frio na barriga tinha por fim sessado. Estava  eu em estado de “Uuuufa... deu certo!” Até chegar o domingo seguinte, quando recebemos a visita justamente do casal Rogener e José Costa. Eu estava todo falante, doido para compartilhar meu dias de folia global, mas não podia falar demais. Até que Costa me pergunta em tom quase sarcástico e entregador:

                - E então Rivânio... como foi em Codó?...

                - Ora, Costa... foi bom, mas é um cidade como toda cidade do interior... uma rua que entra, outra que sai e uma igreja no meio. Respondi tremendo e achei logo o que fazer na rua.

 

3 comentários:

Richardson disse...

Que aventura!!!

E assim se passaram anos e a sensação de felicidade imagino ser a mesma…pois assim que nos sentimos…
Obrigado por nos presentear com seus textos

Andréa Maciel disse...

Quanta Honra meu Amigo! Vivi grandes emoções deste Mundo Encantado e sei o quanto nos faz Feliz poder fazer parte da História da Maior Festa do Brasil! Parabéns pela perseverança, pela garra que lhe é peculiar! Você tem um brilho próprio que nos ilumina a cada obra. E quanta sorte poder brilhar ao lado da Estrela Maior do Carnaval deste País... o Magnânimo Enoque Silva! Sou muito Fã de vocês e lhes desejo muito mais Sucesso! Gratidão pela nossa Amizade e pelo eterno carinho! Amo vocês! Viva o Carnaval!!!

Anônimo disse...

Maravilhosa narrativa! Viajei e amei tudo!