sábado, 22 de maio de 2021

VOCÊ JÁ SABE O QUE É VELHICIDADES?

 

Eu sempre fui apaixonado pela mágica da fotografia e, como um autêntico leonino, pelas fotografias que tinham a minha imagem - hoje sigo bem menos narcisista. Depois passei a registrar os momentos em família, em especial dos meus sobrinhos. Segui assim até que passei a registrar em imagens as razões da minha paixão por pela capital maranhense - os patrimônios arquitetônico e culturais - nos ângulos que as esses patrimônios mesmos se lançam ao meu olhar "pedindo" um registro. 

Esse meu olhar de amor pela cidade, me fez cada vez mais tentar fazer algo por todo esse patrimônio. Pensando nisso, e após decidir largar o curso de Licenciatura em Educação Artística na Universidade Federal por falta de, dentre tantas coisas, identificação com o objetivo do curso - naquele momento não quis ser professor -, decidi fazer o Curso de Turismo na FACAM, uma faculdade particular local.

Era 2005, um ano supermarcante na minha vida, foi a faculdade que também me ajudou a superar a perda do meu pai, vítima de um infarto fulminante. Me entreguei e me apeguei ainda mais ao curso, aos trabalhos, pesquisas, colegas, a minha paixão pela fotografia e aos professores.  Estes, aliás, foram sempre incentivadores e inspiradores exemplos de comprometimento com o qualidade do processo educacional completo. TODOS foram incríveis!

Dentre os mestres que tive a honra de ser aluno, estava a Professora Doutora em Educação e Mestra em Gerontologia Terezinha de Jesus Campos de Lima, Turismóloga com experiências em lazer, hospitalidade, turismo, educação e que já atuava na área de Gerontologia na Universidade da Terceira Idade (UFMA) com temas tais como envelhecimento/velhice, velhice rural, lazer e turismo.  A Professora sempre foi admiradora e grande incentivadora das minhas capacidades ligadas às questões fotográficas. Vínhamos saiamos há bastante tempo conversas sobre algum projeto juntos ligado aos idosos. Anos depois ela tornou-se professora do Curso de Turismo do IFMA, mas nunca abandonou o tema da gerontologia. E dentre suas ocupações é hoje Líder do Grupo de Pesquisa Velhice, Cultura e Sociedade/GEVCS-IFMA-CNPq e com o qual faz um trabalho de extensão, chamado VELHICIDADES.

O tempo foi passando e ainda não tinha rolado o "nosso projeto". Em 2020, no alto crista da primeira onda desta tempestade que estamos passando, ela me liga com uma preocupação pertinente e uma proposta linda, necessaria e, portanto, irrecusável voltado ao Velhicidades. E qual era essa proposta? Bom, sabemos que esse último ano foi difícil para todos, e para os nossos velhinhos foi ainda pior, a ideia então era levar atividades a esse público assistido pelo Grupo de Pesquisa junto a Casa Happy, instituição de longa permanência de idosos,  atrás da arte-educação por meio das minhas fotografia de Patrimônios e Monumentos de São Luís. Topei na hora, escolhi e disponibilizei alguns registros para serem transformados em rascunhos, que seriam reimaginados, recriados, repintados... e foram então docemente revisitados pelos senhores e senhoras em questão. Era ou não uma proposta irresistível? Que ideia maravilhosa... contribuir com a diminuição da ociosidade, da solidão, do medo, das incertezas e da vulnerabilidade dos riscos à saúde - física e mental - de pessoas idosas.

Agora em 2021, há alguns dias, Professora Terezinha entra em contato comigo pelo "zap" me falando de uma parceria do Grupo de Pesquisa com o Marvore - Museu da Árvore, um pequeno museu de ideias (como  é descrito no perfil do Instagram) - que se inscreveu para participar da 19a Semana Nacional dos Museus, de 17 a 23 de maio - realizado virtualmente. E sendo o tema de ano "O Futuro do Museus: Reimaginar e Reconstruir", houve um casamento perfeito com o projeto realizado em junho do ano passado (2020), pois ele propunha isso... um reimaginar os patrimônios capturados naquelas fotos com a liberdade e criatividade dos idosos e seus sentimentos, experiências, conhecimentos e lembranças para reconstruir um novo hoje imaginário aos Monumentos de outrora e, sobretudo, gerar um novo sentimento nesses idosos diante o turbilhão de novidades distanciantes que desde então passaram a viver. E a partir dessa união - Pandemia, Grupo de Pesquisa, Marvore, Semana de Museus, os Idosos, eu, Patrimônio, Monumentos, Fotografia e Virtualidade - nasceu a "Exposição Velhicidades: A Velhice em tempo de Pandemia" no perfil do Instagram do Grupo de Pesquisa (@gerontologia.ifma), que já está disponível para apreciação de todos. Esta é a 4a Edição da Exposição Velhicidades, que vem sob o chamado "A VELHICE EM TEMPOS DE PANDEMIA" e objetiva dar visibilidade à situação da pessoa idosa nesse contexto pandêmico.


Você, leitor, não faz ideia do quanto eu fico cheio de orgulho dessa exposição virtual, e tudo e todos que estão envolvidos para sua realização, pois, ela retrata um trabalho que vai além do ambiente acadêmico. Reflete a grandiosidade e a responsabilidade do espírito humano, uma preocupação e ação que deveria ser de todos - preservar a saúde, física e mental, daqueles que já plantaram, contribuiram para sombra de muitos e mereciam agora colher os frutos -. Essa exposição ainda reflete a necessidade de  pararmos para pensar no hoje, quando - apesar das reclamações do Ministro - todos nós queremos viver muito um amanhã longo e diferente. Ademais precisamos respeitar, valorizar e proteger nosso passado e quem o fez.

Esse conjunto de trabalho me dá ainda mais motivação em continuar fazendo os meus registros e fortalecendo a vontade de contribuir às causas relevantes tal como essa e levar um olhar de carinho sobre nossa cidade ao público em geral. Sempre recebo comentários motivadores de pessoas que nem conheço e de amigos como Denyse Cardoso, que me disse em uma mensagem hoje: "Vendo suas fotos é que eu vou puxar pela memória a lembrança de que eu ja estive naquele lugar. Isso me faz pensar que eu devo abrir mais os olhos (...). Mas, abrir os olhos pra apreciar o que minha cidade tem. Tem gente que viaja até aqui em busca dessa história, de conhecimento, de fotos. Eu tô aqui e não estou aproveitando. Obrigada amigo". Mensagens como esta, trabalhos como o Velhicidades, a iniciativa do Marvore, a exposição, a dedicação de todos os profissionais e acadêmicos envolvidos e, acima de tudo, os resultados alcançados juntos a esses idosos fazem valer a pena cada registro que faço, edito, legendo e público. Até mesmo os  que me levam um pouco de sangue, literalmente falando.

Por hoje é só... mas, para entender direitinho do que tô falando, vai lá no perfil deles, vira seguidor para ficar por dentro de tudo e curte a exposição. Segue o link: 

https://instagram.com/gerontologia.ifma?utm_medium=copy_link


Fui!



domingo, 16 de maio de 2021

BRASIL IMPERIAL


Desde criança minha cabeça sempre trabalhou muito para entender as lições da escola. Foram anos estudando apenas através do que os professores escreviam na lousa verde da sala de aula, do que explicavam e dos resumos dos temas em textos datilografados que nos eram entregues em cópias mimiografadas com as letras roxas por causa do carbono utilizado e que, muitas vezes, ainda chegavam com cheiro do álcool da impressão. Os livros eram raros, até pelas condições da cidade onde vivia. Para ajudar na compreensão do que ouvia e lia eu usava minha imaginação - muito aguçada pelas novelas de época - principalmente nas aulas de história, que sempre me fascinaram. 

Quando visitei a capital pela primeira vez,  minha irmã Rogener foi a guia e a primeira saida que fizemos foi para o bairro da Praia Grande, que muitos chama de Reviver. Parece que eu pulei para dentro da minha mente, eu entrei em transe, viajei no tempo, entrei no mundo dos textos, das novelas "Escrava Isaura", "Direito de Amar" e até "Que Rei Sou Eu mudei?"... como as novelas me ajudaram a estimular a imaginação, embora não retratassem as histórias reais.

Quando mudei de fato para São Luís, as coisas mudaram um pouco em relação as ferramentas de ensino. Aqui as escolas tinham mais acesso a recursos que no interior não tínhamos. Meus professores de lá transmitiam tudo na didática possível, praticamente no gogó (minha gratidão a eles sempre). Já aqui tínhamos os recursos de vídeos de filmes, documentários, passeios nas ruas, visitas à museus, bibliotecas e centros culturais, por exemplo. E, por falar em filmes, vale lembrar Carlota Joaquina - a princesa do Brasil foi boa parte rodado em São Luís (vários amigos e professores atuaram nele). O filme de Carla Camurati, foi lançado em janeiro de 1995, mês e ano que cheguei, é marco na retomada do cinema nacional e fala da chegada e estada da família real no Brasil. Uma película me abriu ainda mais a mente  a compreensão e o orgulho de ver meu Maranhão na tela.

Estes dias procurando algo para assistir no fim de semana descobri na plataforma de streaming Amazon Prime Vídeo a série brasileira "Brasil Imperial", produzido pela Fundação Cesgranrio, escrita por  Antônio Ernesto Martins e dirigida por Alexandre Machafer. Após 25 anos do filme de Camurati a série, que ficará disponível ao público do Brasil, Portugal e Africa tem 1 temporada dividida em 10 episódios onde são mostradas desde as motivações da vinda da Família Real - fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte -, bem como a chegada, os conflitos em terras brasileiras até o retorno de D. Pedro I para Portugal. Sem esquecer suas aventuras, seus casamentos, o romance com Domitila de Castro (a Marquesa de Santos), o início dos movimentos abolicionista, os republicanos... Confesso que comecei assistindo como quem não quer nada... e me apaixonei pelo trabalho, que tem atores e atrizes talentosíssimos, um texto de fácil compreensão - eu diria até didática - que ajuda muito no entendimento dos contextos dos acontecimentos. E o que falar da fotografia, iluminação, figurino, locações e cenários? De cuidado e caprichoso primoroso.

Além do contexto geral, chamou-me atenção, o personagem Arrebita, primeiro protagonista do ator alagoano, Oscar Calixto. Ele entrega ao personagem até aquela verdade que só vemos no fundo do olho. Curiosamente o personagem é um dos únicos que são ficcionais na trama, mas foram criados com nuances de histórias reais e situações da época apontadas em pesquisas, textos e cartas. A outra ficcional presença é da forte Ana do Congo, sua esposa na trama, vivida por Jéssica Córes (a Camila de Cidade Invisível - Netflix). Vale ressaltar que essa mulher é também de um talento visceral, além de possuir beleza e elegância indiscutíveis. 

Arrebita e Ana do Congo


Funcionário da corte real, Arrebida, se apaixonou pela bela Ana do Congo, uma mulher escravizada. Enfrentaram juntos preconceitos raciais l até conseguir liberdade dela. Casaram-se e tevieram filhos. Associando o fato de ser um homem perspicaz, inteligente e que tinha leitura, uma situação específica na trama - não digo qual para que a curiosidade também seja razões pra você assistir - o tornou um homem ainda mais corajoso, um português ativo nas lutas pelos direitos do povo brasileiro. O enredo em torno desse casal me chamou atenção por algo pessoal, obviamente de época diferente. Meus pais enfrentaram situações de preconceitos quando decidiram casar, pelo fato dela ser branca (moça prendada da roça) e ele preto (trabalhador do comércio da cidade). Casaram tiveram filhos que, parte deles, trabalham para garantir aos maranhenses, aos brasileiros e até imigrantes direitos à respeito, educação, liberdade e  igualdade.

Estava refletindo com isso que quem decide enfrentar a vida para viver sua essência, seus amores e suas verdades é cobrado a pagar um alto preço, mesmo que não deva a ninguém. O que me chamou atenção no Arrebita, foi essa coragem de sair da "comodidade" de um homem branco da época para se tornar marido da preta escravizada, mesmo que forra, e enfrentar tudo que essa posição acarretava - e ainda acarreta -. É uma decisão de coragem, muita coragem. Pois o ser preto, já dava à pessoa a consciência do que vai encontrar no dia a dia e a consciência das dores que viriam. Agora se colocar assumidamente numa situação marital, de parceiro ou companheiro sem saber o grau das dores de ser alvo dos preconceitos de alguém é um ato de coragem, e, sobretudo, de amor. Isso sempre admirei na minha mãe, e que me inspira sempre e fundamenta muitas decisões minhas.

Oscar Calixto (Foto: Divulgação)


A escolha de Oscar Calixto para viver o personagem foi muito acertada. Um profissional com 22 anos de carreira com trabalhos no cinema, teatro e TV. Ele foi cirúrgico na composição do jovem que se torna um bravo homem.  O ator, além de talentoso é um cabra de uma generosidade incrível - após assistir aos 10 episódios passei a seguir seu perfil no Instagram, ele me deu boas vindas e conversamos um pouco, tempo suficiente para me contar que conhece o Maranhão e que seu pai mora em Olho D'água das Cunhãs, cidade do interior do Estado que ficam entre Santa Inês, Bacabal e Vitorino Freire. Fiquei ainda mais feliz em conhecer um pouquinho mais da história do artista. Viva o Nordeste!!!

É isso... deixo minha dica para pais, professores, escolas e quem quiser relembrar a história brasileira a usarem, em especial nesse momentos e distanciamento social, a série Brasil Imperial como uma fonte entretenimento e, sobretudo, de conhecimento. Até pelo fato de que quem busca conhecer a história não compactua com golpes, insanidades e nem com o que é considerado genocídio.





segunda-feira, 3 de maio de 2021

ANA LULA: não lhe faltavam temperos e ingredientes... o gás acabou. 

 

Os turismólogos Rivas e Enoque Silva ladeando e beijando a culinarista Ana Lula.

Primeiro eu conheci a fama da dona do Antigamente - principal bar e restaurante do bairro da Praia Grande, entre as décadas dos anos 1980 e 1990, no centro de São Luís -. O que chegava até mim, não era das melhores famas. Ela era taxada como uma mulher muito dura, que queria mandar no Reviver e que brigava até com a polícia. Quando passei a frequentar seu empreendimento comecei a entender que ela era, na verdade, um alvo de pensamentos e práticas machistas. Afinal, ver mulher comandando um negócio. e de sucesso, não todo mundo que aceita.

Ana era uma mulher, mãe de 03 filhos - que eu saiba -, avó, que, conhecedora de seu grande talento na culinária, empreendeu e tornou-se dona do mais famoso bar e restaurante do centro histórico da cidade. Seu espaço era conhecido por todos os turistas que vinham à Capital maranhense. 

O Antigamente dava mais vida ao Praia Grande, conhecido popularmente como Projeto Reviver. Era ponto de encontro de turistas, amigos, casais... todos aqueciam o estômago com pratos deliciosos, gelava a garganta com bebidas geladas e aquecia o coração com músicas ao vivo. Grandes nomes do cenário musical de São Luís passaram por lá. Quase todos os quarentões - ou mais - que passaram por São Luís nas décadas acima tem alguma história ligada ao Antigamente.

Se ela brigava com a polícia? Sim, é não era para brigar?! Com todos seus documentos e impostos em dia, ela brigava  para que fizesse o papel de dar segurança aos estabelecimentos e frequentadores da área. Ela brigava com clientes para impedir comércio de drogas e casos de assédio sexual infantil nas dependência do restaurante - isso eu mesmo vi -. Para ela isso era intolerável.

Tempos mais tarde entrei no universo do turismo local e fui conhecendo-a mais de perto, até me tornar - como Enoque - amigo dela, embora nossas ocupações não nos permitissem nos vermos com tanta frequência. Entretanto, essa aproximação me fez perceber que Ana não brigava exatamente, ela exigia e cobrava o que era correto, o que lhe era de direito como cidadã, empreendedora em dias com suas obrigações e exigia o que era de obrigação dos poderes públicos para proporcionar segurança a todos na região. Ela que primava em oferecer o melhor aos clientes,  mesmo que para isso precisasse alterar a voz e sua pressão arterial. 

Enoque Silva e Ana Lula

Falando em pressão arterial, certa vez o Trade de São Luís estava em Belém para uma rodada de negócios com o Trade de lá - eu acompanhei muito, por minha conta, a Secretaria de Turismo de São Luís nesses trabalhos de divulgação, mas nesse eu não estava -. Pois bem, trabalharam os dias necessários na cidade e na hora do embarque, todos já entrando no avião, ela teve uma crise de pressão alta e não poderia embarcar. Foi então que o turismólogo Enoque Silva e a jornalista Léa Zaqueu, que participavam da comitiva, se dispuseram à acompanhá-la o tempo que fosse necessário. Medicada, e assistida por médicos do aeroporto, foi liberada para viajar. Ao adentrar no avião entrou falando alto, comemorando e fazendo piada com a situação: "Gente, eu não morri! Eu não morri!!". Todos riam num mix de comemoração e alívio. 

Quando cansou dessa luta, da qual concluiu que apenas dava murro em ponta de faca, Ana decidiu fechar o Antigamente - foi então uma grande perda à região da Praia Grande - e decidiu instalar na sua residência, no bairro do Vinhais, um atelier gastronômico, o Casa de Juja. Com sua garra, não tinha medo de recomeçar e s ua nova marca não tardou a ganhar fama e se consolidou como um dos principais points para se ter uma experiência de sabores inesquecíveis em terras do Maranhão. Sua mais famosa criação, o Arroz do Mar, é um dos pratos mais irresistíveis já feitos nessa cidade e copiado em muitos lugares. 

Arroz do Mar, mais famoso prato criado por Ana Lula


Chega ontem e soubemos que faleceu mais essa querida amiga, mais que isso, faleceu um grande ícone da cultura gastronômica e do turismo maranhense, vítima do covid. Faleceu ANA LULA, do Antigamente e do Casa de Juja. Nosso 02 de maio de 2021 se fez noite sem estrela ou luar e sem música alguma em pleno início de  tarde de domingo. Esse vírus, que insiste em não querer sumir e que, em nosso país, parece ter aliados importantes, a levou embora sem chance de um "até logo". Ana partiu e deixou-nos com o corações tristes, apertados e nossos dias futuros sem o olfato e o paladar da alquimia que tinha domínio como poucos. Nesse tacho que era sua vida, não faltavam temperos e ingredientes... o gás acabou.

Beijos, querida! Você já faz muita falta.

sábado, 1 de maio de 2021

HISTÓRIA DOS ANOS 80: TEMPO DAS PASSARELAS DOS PARTIDOS 

Rozeane Pereira 

Há um bom tempo eu quero escrever sobre vários acontecimentos, eventos, coisas que vi, experiências que vivi e como interpretei. Fatos que me foram marcantes quando criança na minha cidade Natal, Santa Teresa do Paruá. Um desses temas é o que nós chamávamos de "Partidos". Ainda não o tinha feito porque gosto de ilustrar com imagens e não tenho nenhuma imagem desses eventos. Entretanto, um acontecimento triste, e completamente inesperado, esta semana me faz antecipar esse texto, mesmo sem imagem específica dos Partidos.

Perguntas devem está borbulhando na sua cabeça, querido leitor, eu sei... Partidos? Que acontecimento inesperado? Eu já explico.

Bom, Partidos na minha infância não era tinha nada com questões políticas. Nossos partidos eram desfiles, às vezes bonecas e outras vezes meninas vestidas de bonecas numa espécie de concursos de beleza Kids. Normalmente grupos de meninas - crianças, adolescentes e jovens - se uniam e decidiam como seriam as disputas. Entre estas escolhas estavam a definição das candidatas, as cores que elas usariam - vermelho, azul, amarelo, rosa - , os locais dos desfiles e as regras para apuração dos resultados do certame mirim.

Após estas definições cada grupo cuidaria da produção de sua candidata. Entre os figurinos tinham maiôs, biquínis e roupas de papel de seda e todas eram adornadas com muitas joias e bijuterias emprestadas pelos familiares e vizinhos - pulseiras, colares, anéis e brincos, quanto mais, melhor -. Todas as candidatas eram impecável e extravagantemente maquiadas - estou falando dos anos 1980, dentro do pouco conhecimento e da quase inexistente experiência na área por parte das "maquiadoras" -. Aliás, as maquiagens não se resumiam aos rostos angelicais das meninas. Algumas delas tinham batons ou brilhos (aqueles dos potinhos em formato de morango) passados nos braços, pernas e barriga, que em alguns casos eram finalizadas com pitadas de areia brilhante - glítter, mas já cheguei a ver produtora quebrar no pilão até virar pó as bolas de árvore de natal, quando eram de vidro -. É bem como dizem hoje, "Quem vê close, não vê corre".

Os desfiles quase sempre eram nas calçadas mais altas das ruas ou se colocavam mesas enfileiradas no terreiro na frente da casa escolhida, afinal as "modelos" precisavam de passarela. A música eram por conta dos toca-fitas ou dos toca-discos - incontáveis vezes desfilaram ao som de "Maria Magdalena", Canção de Sandra Cretu -. Era tudo tão ingênuo, divertido e pitoresco, que algumas candidatas no meio da passarela, para o delírio das torcidas, ainda declaravam versinhos como o famoso: 

"Batatinha quando nasce 'esparrama' (espalha a rama) pelo chão.
Menininha quando dorme põe a mão no coração.
Sou pequenininha do tamanho de um botão,
Carrego papai no bolso e mamãe no coração
O bolso furou e o papai caiu no chão.
Mamãe que é mais querida ficou no coração."

A definição da ganhadora, era como tinha sido acordado no início de tudo, poderia ser quantidade de joias, torcida, batalha de versinho, melhor desfile... enfim. Fato é que a ganhadora recebia faixa em papel crepom e coroa em cartolina, ambas decoradas com papel laminados e a felicidade de ser... quase uma Miss Mirim. Elas saiam carregadas nos colos das organizadoras, que eram maiores, comemorando as vitórias.

Várias foram as meninas - hoje mulheres - da vizinhança, ou melhor, da cidade toda, que desfilaram. Quase todas as ruas tinham disputas. Algumas colecionavam campeonatos. Minha memória falha de um quarentão "bariatricado" recorda de alguns nomes da minha rua como a Lila (hoje advogada), Élia (Advogada e ex-prefeita, embora não certeza se concorreu em algum desses Partidos específicamente, mas participou de vários desfiles), a Pepita (filha do Seu Daíca, hoje mora em SP), a Suelene (filha do Seu Zé Lino, não sei onde mora), Nenezinha filha da Chica (mora na cidade), Nalvinha filha do Santinho (Professora na região), Claudinéia filha de D. Delina (mora no Pará), Rosário da D. Hilda (não sei onde mora), Lídia (irmã da Maria do Nelton e não sei onde mora).

Clipe oficial da principal música utilizada nos desfiles dos Partidos.

Moravam ainda em nossa rua, a  Rua do Comércio, na primeira casa do lado direito, a família do Seu Nonato da Usina e de D. Irene - curiosamente a maioria dos filhos deles têm nome que começam com a letras R, igual lá em casa... - Pois bem, voltemos ao foco, os filhos desses casal sempre foram lindos. Todos! Mas, as duas meninas mais novas... Jesus Amado! Eram duas bonecas. Regiane e Rozeane, a primeira de cabelos longos cacheados e a segunda com cabelos lisos na altura dos ombros, ambas morenas como índias.  Elas eram trunfos dos grupos da rua que, eu acho, era compostos pelas irmãs Maria, Ruda, Nilza e Lila - filhas do Seu Domingos Araújo - , Eliene - filha do Chico Agulha - e das filhas do Seu Daíca (Lêda, Elda e Pepita) e, acho que, algum envolvimento da Leninha, Diana e Denise (respectivamente filhas e nora do Seu Nhozinho).

As filhas de Dona Irene, Regiane e Rozeane, eram a cara deses desfiles (me desculpem as demais candidatas, que eram lindas, mas estas eram as minha preferidas) e algumas vezes chegaram a competir entre si. Cada uma representando um grupo. E as disputas eram acirradas. Não sei qual das duas ganhou mais. Porém, podemos dizer que pr'aquela casa foram a maioria dos campeonatos. 

Muitas de nossas tardes de  domingos eram movimentadas por delícias de produções, expectativas, adrenalinas e diversões. Hoje pouca gente lembra e menos pessoas comentam de forma espontânea tais momentos. Mas, em mim ficou, não apenas na cabeça, mas, no coração. Ali comecei a me interessar por desfiles de moda e por esse universo artístico e talvez por isso também eu adore tanto a série "Pose" (Netflix,  já escrevi sobre aqui no blog).

E com o tempo crescemos, o tempos foi mudando, as diversões idem e ninguém continuou as tradicionais competições dos Partidos de Meninas. Cada um foi tomando seu rumo na vida, seguindo seu caminho. Alguns reencontros anos depois pela rodoviária, centro de São Luís, contatos por Facebook, Instagram, WhatsApp... outros nunca mais tive notícias. Com Regiane e Rozeane os reencontros eram muito esporádicos, já passaram de 10 anos do nosso último encontro, na casa da minha mãe, aqui em São Luís, w não fora combinado. E na quinta-feira passada - dia 27 de abril de 2021 - soube que, aos 46 anos, Rozeane nos deixou. Estava com uma leve gripe e faleceu vítima de uma uma morte súbita, rápida.  Mas, mesmo sem laudo conclusivo ainda precisou ser sepultada seguindo protocolo de covid, pela incerteza do momento. Sem tempo para um último reencontro e para uma despedida com os amigos ou mesmo com a familia. Sem tempo ao menos para que todos entendessem o que ocorreu e para a ficha cair. A vida se foi como um sopro em uma vela acesa.

Rozeane Pereira


Minha cabeça dividiu-se em dois pensamentos. Primeiro em como a família foi pega de surpresa e o quanto D. Irene (a mãe) deve tá arrasada - meu coração foi para onde ela e as demais filhas -. Depois, na minha cabeça, passou um filme desses momentos incríveis que permeiam minha memória afetiva desde sempre. 

E a ficha vai caindo fazendo um barulho que ecoa no coração dizendo que nos deixou  uma das "modelos", ícone dos desfiles de Partidos de Meninas da minha infância. A dona de um dos sorrisos mais lindos e meigos que já conheci.  Rozeane, que há muitos anos era evangélica, foi para a Casa do Pai.