sábado, 1 de maio de 2021

HISTÓRIA DOS ANOS 80: TEMPO DAS PASSARELAS DOS PARTIDOS 

Rozeane Pereira 

Há um bom tempo eu quero escrever sobre vários acontecimentos, eventos, coisas que vi, experiências que vivi e como interpretei. Fatos que me foram marcantes quando criança na minha cidade Natal, Santa Teresa do Paruá. Um desses temas é o que nós chamávamos de "Partidos". Ainda não o tinha feito porque gosto de ilustrar com imagens e não tenho nenhuma imagem desses eventos. Entretanto, um acontecimento triste, e completamente inesperado, esta semana me faz antecipar esse texto, mesmo sem imagem específica dos Partidos.

Perguntas devem está borbulhando na sua cabeça, querido leitor, eu sei... Partidos? Que acontecimento inesperado? Eu já explico.

Bom, Partidos na minha infância não era tinha nada com questões políticas. Nossos partidos eram desfiles, às vezes bonecas e outras vezes meninas vestidas de bonecas numa espécie de concursos de beleza Kids. Normalmente grupos de meninas - crianças, adolescentes e jovens - se uniam e decidiam como seriam as disputas. Entre estas escolhas estavam a definição das candidatas, as cores que elas usariam - vermelho, azul, amarelo, rosa - , os locais dos desfiles e as regras para apuração dos resultados do certame mirim.

Após estas definições cada grupo cuidaria da produção de sua candidata. Entre os figurinos tinham maiôs, biquínis e roupas de papel de seda e todas eram adornadas com muitas joias e bijuterias emprestadas pelos familiares e vizinhos - pulseiras, colares, anéis e brincos, quanto mais, melhor -. Todas as candidatas eram impecável e extravagantemente maquiadas - estou falando dos anos 1980, dentro do pouco conhecimento e da quase inexistente experiência na área por parte das "maquiadoras" -. Aliás, as maquiagens não se resumiam aos rostos angelicais das meninas. Algumas delas tinham batons ou brilhos (aqueles dos potinhos em formato de morango) passados nos braços, pernas e barriga, que em alguns casos eram finalizadas com pitadas de areia brilhante - glítter, mas já cheguei a ver produtora quebrar no pilão até virar pó as bolas de árvore de natal, quando eram de vidro -. É bem como dizem hoje, "Quem vê close, não vê corre".

Os desfiles quase sempre eram nas calçadas mais altas das ruas ou se colocavam mesas enfileiradas no terreiro na frente da casa escolhida, afinal as "modelos" precisavam de passarela. A música eram por conta dos toca-fitas ou dos toca-discos - incontáveis vezes desfilaram ao som de "Maria Magdalena", Canção de Sandra Cretu -. Era tudo tão ingênuo, divertido e pitoresco, que algumas candidatas no meio da passarela, para o delírio das torcidas, ainda declaravam versinhos como o famoso: 

"Batatinha quando nasce 'esparrama' (espalha a rama) pelo chão.
Menininha quando dorme põe a mão no coração.
Sou pequenininha do tamanho de um botão,
Carrego papai no bolso e mamãe no coração
O bolso furou e o papai caiu no chão.
Mamãe que é mais querida ficou no coração."

A definição da ganhadora, era como tinha sido acordado no início de tudo, poderia ser quantidade de joias, torcida, batalha de versinho, melhor desfile... enfim. Fato é que a ganhadora recebia faixa em papel crepom e coroa em cartolina, ambas decoradas com papel laminados e a felicidade de ser... quase uma Miss Mirim. Elas saiam carregadas nos colos das organizadoras, que eram maiores, comemorando as vitórias.

Várias foram as meninas - hoje mulheres - da vizinhança, ou melhor, da cidade toda, que desfilaram. Quase todas as ruas tinham disputas. Algumas colecionavam campeonatos. Minha memória falha de um quarentão "bariatricado" recorda de alguns nomes da minha rua como a Lila (hoje advogada), Élia (Advogada e ex-prefeita, embora não certeza se concorreu em algum desses Partidos específicamente, mas participou de vários desfiles), a Pepita (filha do Seu Daíca, hoje mora em SP), a Suelene (filha do Seu Zé Lino, não sei onde mora), Nenezinha filha da Chica (mora na cidade), Nalvinha filha do Santinho (Professora na região), Claudinéia filha de D. Delina (mora no Pará), Rosário da D. Hilda (não sei onde mora), Lídia (irmã da Maria do Nelton e não sei onde mora).

Clipe oficial da principal música utilizada nos desfiles dos Partidos.

Moravam ainda em nossa rua, a  Rua do Comércio, na primeira casa do lado direito, a família do Seu Nonato da Usina e de D. Irene - curiosamente a maioria dos filhos deles têm nome que começam com a letras R, igual lá em casa... - Pois bem, voltemos ao foco, os filhos desses casal sempre foram lindos. Todos! Mas, as duas meninas mais novas... Jesus Amado! Eram duas bonecas. Regiane e Rozeane, a primeira de cabelos longos cacheados e a segunda com cabelos lisos na altura dos ombros, ambas morenas como índias.  Elas eram trunfos dos grupos da rua que, eu acho, era compostos pelas irmãs Maria, Ruda, Nilza e Lila - filhas do Seu Domingos Araújo - , Eliene - filha do Chico Agulha - e das filhas do Seu Daíca (Lêda, Elda e Pepita) e, acho que, algum envolvimento da Leninha, Diana e Denise (respectivamente filhas e nora do Seu Nhozinho).

As filhas de Dona Irene, Regiane e Rozeane, eram a cara deses desfiles (me desculpem as demais candidatas, que eram lindas, mas estas eram as minha preferidas) e algumas vezes chegaram a competir entre si. Cada uma representando um grupo. E as disputas eram acirradas. Não sei qual das duas ganhou mais. Porém, podemos dizer que pr'aquela casa foram a maioria dos campeonatos. 

Muitas de nossas tardes de  domingos eram movimentadas por delícias de produções, expectativas, adrenalinas e diversões. Hoje pouca gente lembra e menos pessoas comentam de forma espontânea tais momentos. Mas, em mim ficou, não apenas na cabeça, mas, no coração. Ali comecei a me interessar por desfiles de moda e por esse universo artístico e talvez por isso também eu adore tanto a série "Pose" (Netflix,  já escrevi sobre aqui no blog).

E com o tempo crescemos, o tempos foi mudando, as diversões idem e ninguém continuou as tradicionais competições dos Partidos de Meninas. Cada um foi tomando seu rumo na vida, seguindo seu caminho. Alguns reencontros anos depois pela rodoviária, centro de São Luís, contatos por Facebook, Instagram, WhatsApp... outros nunca mais tive notícias. Com Regiane e Rozeane os reencontros eram muito esporádicos, já passaram de 10 anos do nosso último encontro, na casa da minha mãe, aqui em São Luís, w não fora combinado. E na quinta-feira passada - dia 27 de abril de 2021 - soube que, aos 46 anos, Rozeane nos deixou. Estava com uma leve gripe e faleceu vítima de uma uma morte súbita, rápida.  Mas, mesmo sem laudo conclusivo ainda precisou ser sepultada seguindo protocolo de covid, pela incerteza do momento. Sem tempo para um último reencontro e para uma despedida com os amigos ou mesmo com a familia. Sem tempo ao menos para que todos entendessem o que ocorreu e para a ficha cair. A vida se foi como um sopro em uma vela acesa.

Rozeane Pereira


Minha cabeça dividiu-se em dois pensamentos. Primeiro em como a família foi pega de surpresa e o quanto D. Irene (a mãe) deve tá arrasada - meu coração foi para onde ela e as demais filhas -. Depois, na minha cabeça, passou um filme desses momentos incríveis que permeiam minha memória afetiva desde sempre. 

E a ficha vai caindo fazendo um barulho que ecoa no coração dizendo que nos deixou  uma das "modelos", ícone dos desfiles de Partidos de Meninas da minha infância. A dona de um dos sorrisos mais lindos e meigos que já conheci.  Rozeane, que há muitos anos era evangélica, foi para a Casa do Pai.


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