domingo, 16 de maio de 2021

BRASIL IMPERIAL


Desde criança minha cabeça sempre trabalhou muito para entender as lições da escola. Foram anos estudando apenas através do que os professores escreviam na lousa verde da sala de aula, do que explicavam e dos resumos dos temas em textos datilografados que nos eram entregues em cópias mimiografadas com as letras roxas por causa do carbono utilizado e que, muitas vezes, ainda chegavam com cheiro do álcool da impressão. Os livros eram raros, até pelas condições da cidade onde vivia. Para ajudar na compreensão do que ouvia e lia eu usava minha imaginação - muito aguçada pelas novelas de época - principalmente nas aulas de história, que sempre me fascinaram. 

Quando visitei a capital pela primeira vez,  minha irmã Rogener foi a guia e a primeira saida que fizemos foi para o bairro da Praia Grande, que muitos chama de Reviver. Parece que eu pulei para dentro da minha mente, eu entrei em transe, viajei no tempo, entrei no mundo dos textos, das novelas "Escrava Isaura", "Direito de Amar" e até "Que Rei Sou Eu mudei?"... como as novelas me ajudaram a estimular a imaginação, embora não retratassem as histórias reais.

Quando mudei de fato para São Luís, as coisas mudaram um pouco em relação as ferramentas de ensino. Aqui as escolas tinham mais acesso a recursos que no interior não tínhamos. Meus professores de lá transmitiam tudo na didática possível, praticamente no gogó (minha gratidão a eles sempre). Já aqui tínhamos os recursos de vídeos de filmes, documentários, passeios nas ruas, visitas à museus, bibliotecas e centros culturais, por exemplo. E, por falar em filmes, vale lembrar Carlota Joaquina - a princesa do Brasil foi boa parte rodado em São Luís (vários amigos e professores atuaram nele). O filme de Carla Camurati, foi lançado em janeiro de 1995, mês e ano que cheguei, é marco na retomada do cinema nacional e fala da chegada e estada da família real no Brasil. Uma película me abriu ainda mais a mente  a compreensão e o orgulho de ver meu Maranhão na tela.

Estes dias procurando algo para assistir no fim de semana descobri na plataforma de streaming Amazon Prime Vídeo a série brasileira "Brasil Imperial", produzido pela Fundação Cesgranrio, escrita por  Antônio Ernesto Martins e dirigida por Alexandre Machafer. Após 25 anos do filme de Camurati a série, que ficará disponível ao público do Brasil, Portugal e Africa tem 1 temporada dividida em 10 episódios onde são mostradas desde as motivações da vinda da Família Real - fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte -, bem como a chegada, os conflitos em terras brasileiras até o retorno de D. Pedro I para Portugal. Sem esquecer suas aventuras, seus casamentos, o romance com Domitila de Castro (a Marquesa de Santos), o início dos movimentos abolicionista, os republicanos... Confesso que comecei assistindo como quem não quer nada... e me apaixonei pelo trabalho, que tem atores e atrizes talentosíssimos, um texto de fácil compreensão - eu diria até didática - que ajuda muito no entendimento dos contextos dos acontecimentos. E o que falar da fotografia, iluminação, figurino, locações e cenários? De cuidado e caprichoso primoroso.

Além do contexto geral, chamou-me atenção, o personagem Arrebita, primeiro protagonista do ator alagoano, Oscar Calixto. Ele entrega ao personagem até aquela verdade que só vemos no fundo do olho. Curiosamente o personagem é um dos únicos que são ficcionais na trama, mas foram criados com nuances de histórias reais e situações da época apontadas em pesquisas, textos e cartas. A outra ficcional presença é da forte Ana do Congo, sua esposa na trama, vivida por Jéssica Córes (a Camila de Cidade Invisível - Netflix). Vale ressaltar que essa mulher é também de um talento visceral, além de possuir beleza e elegância indiscutíveis. 

Arrebita e Ana do Congo


Funcionário da corte real, Arrebida, se apaixonou pela bela Ana do Congo, uma mulher escravizada. Enfrentaram juntos preconceitos raciais l até conseguir liberdade dela. Casaram-se e tevieram filhos. Associando o fato de ser um homem perspicaz, inteligente e que tinha leitura, uma situação específica na trama - não digo qual para que a curiosidade também seja razões pra você assistir - o tornou um homem ainda mais corajoso, um português ativo nas lutas pelos direitos do povo brasileiro. O enredo em torno desse casal me chamou atenção por algo pessoal, obviamente de época diferente. Meus pais enfrentaram situações de preconceitos quando decidiram casar, pelo fato dela ser branca (moça prendada da roça) e ele preto (trabalhador do comércio da cidade). Casaram tiveram filhos que, parte deles, trabalham para garantir aos maranhenses, aos brasileiros e até imigrantes direitos à respeito, educação, liberdade e  igualdade.

Estava refletindo com isso que quem decide enfrentar a vida para viver sua essência, seus amores e suas verdades é cobrado a pagar um alto preço, mesmo que não deva a ninguém. O que me chamou atenção no Arrebita, foi essa coragem de sair da "comodidade" de um homem branco da época para se tornar marido da preta escravizada, mesmo que forra, e enfrentar tudo que essa posição acarretava - e ainda acarreta -. É uma decisão de coragem, muita coragem. Pois o ser preto, já dava à pessoa a consciência do que vai encontrar no dia a dia e a consciência das dores que viriam. Agora se colocar assumidamente numa situação marital, de parceiro ou companheiro sem saber o grau das dores de ser alvo dos preconceitos de alguém é um ato de coragem, e, sobretudo, de amor. Isso sempre admirei na minha mãe, e que me inspira sempre e fundamenta muitas decisões minhas.

Oscar Calixto (Foto: Divulgação)


A escolha de Oscar Calixto para viver o personagem foi muito acertada. Um profissional com 22 anos de carreira com trabalhos no cinema, teatro e TV. Ele foi cirúrgico na composição do jovem que se torna um bravo homem.  O ator, além de talentoso é um cabra de uma generosidade incrível - após assistir aos 10 episódios passei a seguir seu perfil no Instagram, ele me deu boas vindas e conversamos um pouco, tempo suficiente para me contar que conhece o Maranhão e que seu pai mora em Olho D'água das Cunhãs, cidade do interior do Estado que ficam entre Santa Inês, Bacabal e Vitorino Freire. Fiquei ainda mais feliz em conhecer um pouquinho mais da história do artista. Viva o Nordeste!!!

É isso... deixo minha dica para pais, professores, escolas e quem quiser relembrar a história brasileira a usarem, em especial nesse momentos e distanciamento social, a série Brasil Imperial como uma fonte entretenimento e, sobretudo, de conhecimento. Até pelo fato de que quem busca conhecer a história não compactua com golpes, insanidades e nem com o que é considerado genocídio.





5 comentários:

Oscar Calixto | Blog Dois Pernods disse...

Opa! Rapaz, por essa eu não esperava!

Estou aqui olhando meus e-mails e eis que recebo uma notificação sobre "Brasil Imperial". Clico para ler e me deparo com esse texto que fez um mar passar aqui diante dos meus olhos!

Querido, muito obrigado pela crítica sobre série, por divulgar essa série pela qual tenho tanto carinho, amor e gratidão e pelas coisas lindas que falou sobre meu trabalho. Muito grato por cada linha.

Também gostei de saber como a história de Arrebita e Ana do Congo se encontra com a dos seus pais.

Em momentos difíceis como o que estamos todos vivendo, coisas assim, me fazem ter coragem e um pouco mais de brilho no olho. Coisas mais que suficientes para seguir adiante!

Um grande abraço e, mais uma vez, gratidão imensa pelo teu carinho!

Andrea Farias disse...

Verdade. Não compactua!!!!!

Unknown disse...

Pronto, já vou ali buscar esses série! Rsrs Tudo nas palavras de Rivanio viram poesia e nos encantam.

Maria Teresa disse...

Pronto, já vou ali buscar esses série! Rsrs Tudo nas palavras de Rivanio viram poesia e nos encantam.

Unknown disse...

Excelente exposição de alguém com um olhar sempre crítico e perspicaz, sem perder a poética. E, de fato, a leitura nos motiva a acessar a produção. Gratíssima, Rivas!