sábado, 14 de outubro de 2023

CURA GAY: A MENTIRA QUE MATA


Blogueira Karol Eller


Poucas pessoas sabem que eu faço terapia há algum tempo para reorganizar minha mente das configurações feitas nela ao longo da minha vida, em especial na infância e adolescência. É nesse período da vida que nosso entendimento a cerca do mundo e da vida estão sendo formados.

Nasci em uma família grande, linda, querida, amável, solidária e muito admirada. Todos nós sempre sentimos o amor incondicional uns dos outros, apesar da discussões, bate-boca, das lapadas, puxões de cabelos e porradas (que irmãos nunca chegaram as vias de fato, né?!). É preciso registrar que, dependendo das razões e da intensidade, isso deixa marcas muito fortes, apesar dos perdões, dos abraços, beijos e carinhos.

Eu sou o oitavo filho de minha mãe e meu pai - muitos sabem que ele deixou outros dois filhos incríveis mais novos que eu e aos quais conhecemos após sua morte -. Muito cedo me descobri diferente dos meus irmãos e a questão não era com o corpo. O fato é que meus gostos eram mais próximos dos gostos das minhas irmãs e amigas apesar de sempre ter vestido azul. Tínhamos muito mais afinidades. Embora eu sempre tenha tido amigos meninos, eles tinham umas brincadeiras para as quais eu tinha até um certo gosto, entretanto não tinha as menores aptidões.  Agora imagina que se eu já me percebia diferente imagina as outras pessoas olhando para um garotinho que não tinha controle da munheca, da voz, das gargalhadas e muito menos do corpo que desenvolvia com coxas grossas, quadril largo e dos peitos com ginecomastia? Por vezes fui chamado de menina, como forma de constrangimento.

Recordo perfeitamente que ainda por volta dos meus 5 ou 6 anos meus irmãos com seus amigos (todos já chegando à pré-adolescência ou adolescência de fato), enquanto descansavam do jogo de bola do meio da rua estavam conversando sobre as meninas que achavam bonitas e eu despretensiosamente verbalizei que um homem que passa na frente da nossa casa era bonito e ganhei um cascudo de um dos meus irmãos e um coió dos colegas deles, pois homem não pode achar outro homem bonito. Foi um fim de tarde inesquecível por ter sido muito, muito traumatizante descobrir que eu estava na contramão.

Sendo eu a "ovelha pink" da família cresci sendo apontado na rua, ouvindo em casa pra sentar direito, falar grosso como homem, que eu era muito moreilão, que era para sorrir direito e tal. E vestindo azul, inclusive camisa de botão e calça de tergal... Fora isso haviam as brincadeiras homofóbicas que, embora nem sempre  direcionadas a mim, eu me reconhecia como uma criança diferente e isso me faziam sentir que eu poderia ser o ridículo da história. E haviam as situações de discussões na escola, ou com os coleguinhas vizinhos, que me faziam ser alvo dos bullings e lá vinham apelidos de veado, veadinho, baitola, boiola, qualhira e feta e tantas outras formas pejorativas usadas para ofender alguém que, assim como eu, tinha um comportamento distinto dos demais garotos. Como se não bastasse tinham as conversas nas rodinhas de fofoca sobre quem era e quem deixava de ser... Na igreja em que me congregava ouvia que os afeminados eram frutos do diabo, que não eram crias de Deus, que Deus fez Adão e Eva. Disseram tantas vezes que o contrário disso era penalizado com a desgraça de ser queimado no fogo do inferno que eu ficavam aterrorizado!!! E qual o primeiro resultado? Sai da igreja? Pq ao invés de me aproximar de Deus, fazia eu me sentir como se estivesse mais perto do diabo. Fui então procurar um diálogo direto com Deus e uma forma de compreendê-lo como um Ser Divino e Maravilhoso e conheci Ele sendo mais misericordioso do que o que me ensinavam naquela época.

Quando adolescente recebi propostas de pessoas próximas a frequentar prostíbulo... com tudo pago!!! Eram tentativas para que eu me transformasse. Já fui assediado diversas vezes para "voltar" à igreja, para "aceitar" Jesus... gente... como assim?! Por favor... nunca deixei Deus de mão e nunca Ele largou a minha. Nem nas minhas horas mais difíceis. E sou grato por ainda ter tido sanidade para perceber quando Ele tocou o meu coração no exato momento que eu supliquei pelo fim.

Sei que os tempos são outros e para alguns, que podem argumentar assim como eu já o fiz tantas e tantas vezes, que eram anos 1980 e que a temática não era bem debatida e o entendimento das pessoas não eram tão bem aprofundadas e com a facilidade de acesso às informações que se tem hoje. Contudo, um dos ensinamentos Divino, que têm mais de 2000 anos, fala de amor ao próximo. Diz que devemos amarmos uns aos outros como a nós mesmos. E a hipocrisia faz as pessoas amarem a si e condicionar o amor ao outro.

Bom, o meu resultado nisso tudo foi uma criança encucada, um adolescente pertubado psicologicamente e homem em conflito interno sobre o sua condição de vida afetiva e sua relação com o pecado, com a possibilidade de desagradar à família, os vizinhos e, o pior, a Deus, que sempre me foi pintado como um vingandor que abatia e condenava ao inferno os pecadores como eu. Cresci um ser com medo de ser "descoberto", com o horror da negação, o pânico de ser expulso de casa, de não ser amado pelos meus, de ser vítima de violência física na rua, de não ter como se manter, de não formar família e com muita incerteza do futuro. Esses foram sentimentos sempre foram gigantes e me causaram assombração a vida toda. Mais que isso, causaram-me ansiedade, depressão e a vontade de morrer para deixar de ser o problema e a causa da vergonha de todos. Foi quando tive o coração tocado num momento muito tênue de lucidez. E, graças as condições dos benefícios que a empresa onde trabalho me proporciona e, ainda me sentindo um condenado a ser a escória do mundo e da vontade Divina, procurei ajuda médica especializada, pois não aguentava mais minha mente tão conflituosa. Já se passaram mais de 10 anos e ainda sigo com meus acompanhamentos psicológico e psiquiátrico, pois, além disso tudo, a vida de adulto vai adicionando outros elementos que fazem com que precisemos de suporte para solucionar, ou pelo menos compreender, muitas situações pelas quais passamos.

Em paralelo a tudo isso mantive a relação familiar de muito amor e respeito, boa relação com amigos e colegas apesar das divergências que a vida impõe. Pois, dentro de todo esse contexto busquei trabalhar a minha compressão da época de criação, o acesso a informações, o limite de interpretação e a capacidade intelectual para compressão de cada um deles.  Com isso alguns foram compreendidos e aproximados e outros distanciados do meu convívio, pois não sou obrigado a conviver com quem não me enxerga como um ser filho de Deus, como acredito ser. Aliás, como sou!

Estes dias vi umas postagens com a frase "Não somos homofóbicos. Nós amamos o pecador, mas abominamos o pecado"... Na minha compreensão, que passa pelo meu sentimento, isso não ajuda em nada, não elimina o preconceito e não faz bem algum ao "pecador". A frase pode até aliviar a consciência de quem a emprega ou publica. Mas, ela é mais uma reafirmação daquilo que ouvi a vida toda... a vida do homossexual é um pecado abominável, que significa detestável, execrável, odiável, odioso... É reforçar uma cultura de ódio, é dizer que esse "mal", que é a vida da comunidadeLGBTQIA+, é passível de ódio, pois é errada. E, sendo a homossexualidade minha condição de vida - uma vez que nasci assim -, é dizer que eu sou um erro!... "olha eu te amo... mas odeio a tua vida, pois ela é reflexo e sinônimo do que você é... mas, oh... eu te amo tá?!"... oi????

Estes dias eu vi uma notícia que me deixou muito triste e com medo, pois foi um gatilho muito forte na minha cabeça, dadas a todas estas situações mencionadas acima. Uma blogueira que conheci pelas redes sociais por ser homossexual, no caso lésbica, e por ter suas convicções políticas completamente de direita, apoiando um candidato declaradamente homofóbico (na dúvida dê um Google), voltou às manchetes em todos os veículos de comunicação.

Karol Eller era o nome da blogueira. Foi poiadora do último ex-presidente e entrou em conflito interno, quer dizer... ela entrou no mais alto nível de batalha, de guerra consigo mesmo. Sabe por qual razão??? Pelo "absurdo, imperdoável e ABOMINÁVEL pecado" - contém ironia - de ser lésbica.  Chegou a um determinado ponto de situação da vida da Karol que  ela "deixou de querer ser" quem ou como era de fato. Isso ocorreu depois que passou a frentar uma igreja de pessoas que tinham as mesmas convicções políticas que as suas e que lhe propuseram um processo de cura da sua homossexualidade. Ela, por alguma razão que nao conhecemos, aceitou ser "curada".

Sabe-se lá os meios utilizados para esse processo de "cura"... o fato é que ela, uma mulher lésbica, jovem, determinada, corajosa, cheia de vida e de opiniões fortes passou a se reprimir, a se negar, a se anular e entrou em conflito com o que era, com o que diziam ser a verdade, com o que não queria mais ser, com o que ouvia como palavra de salvação, com o que agora queria ser e, principalmente, com o que era de fato... Gente, quando se está nesse nivel de situação é uma tortura interna involuntária! Só quem já passou por esse nível de confusão mental, independente das razões, sabe do que estou falando.

Karol Eller deve ser sofrido muito. Aliás, ela sofreu demais! Um sentimento, um sofrimento - isso sim abominável - que não se deseja nem ao pior inimigo que por ventura se possa ter. Contudo, o sofrimento de Karol Eller acabou. Pena que da forma mais triste que poderia ter sido... Ela pôs fim, não apenas aos sofrimentos causados pelos conflitos internos gerados pelos seus algozes externos. Ela pôs fim a sua história. Ela perdeu a própria guerra.

E eles??? O que serão de seus "salvadores", como seguiram seus "curandores"? Eles seguirão como tantos outros... seguirão amando tantos e tantas outras Karols e abominando seus pecados que é viver sendo quem são. E a cura gay seguirá como sempre foi, através da auto-eliminação.

Um comentário:

Anônimo disse...

Triste e ao mesmo tempo lindo seu desabafo, sua reflexão. Ter a coragem de mergulhar num episódio tão sombrio lincando a sua própria vida não é pra todo mundo. Exige coragem, sabedoria e muita maturidade. Parabéns amigo!