domingo, 14 de novembro de 2021

GRATIDÃO E ADEUS AO FALAFINA


Por Rivanio Almeida Santos 

 Também no domingo pela manhã eu pequeno acordava cedo, chamado pelo pai para ir à chácara pegar leite enquanto ele ia ao mercado comprar carne e a mãe passava o café e preparava os acompanhamentos do café da manhã e já iniciar os preparativos do almoço. Ao sair pela porta do terraço já via, ouvia e cumprimentava Seu Santinho, Seu Antônio Carpinteiro (o Caripina) conversando enquanto Seu Sebastião Falafina, em pé na calçada com as barras das calças dobradas até o joelho, escovava os dentes com um copo de alumínio com água nas mãos. Findado a higiene bucal se acocarava e ficavam por ali comentando os noticiários da TV da noite anterior e puxando brincadeira com quem passava pela rua.



Foi a voz fina e estridente, que rendeu ao Seu Sebastião apelido de Falafina, era marcante, inconfundível e rendiam as melhores gargalhadas que pude ouvir a vida toda. A mesma gargalhada que soltou quando foi lá em casa pedir o "picinez" do meu pai e eu sem perguntar o que era peguei a navalha de por Gillette de raspar barba. Quando percebeu gargalhou da minha ingenuidade e explicou do que se tratava. O picinez, na verdade  pincenê, nada mais é que o nome antigo dado aos óculos. Essa história pra mim é inesquecível.

Seu Sebastião sempre foi nosso vizinho, dos mais chegados. Um dos melhores amigos do meu pai, da minha família. Aliás, um dos melhores amigos de toda aquela gente. Apesar de dono um dos gênios mais fortes que já conheci, era uma pessoa de coração gigante. São muitas histórias que poderia mencionar que estão ligadas a minha memória afetiva. É impossível falar de minha infância sem mencionar o Falafina ou alguém da família Guimarães.

Renderia alguns capítulos a sua participação na Construção do Colégio Santa Teresa quando, salvo melhor memória, ele era o Presidente da Associação de Moradores. Ele sempre foi presente nas causas e na vida pública e política da comunidade.




Eu poderia escrever sobre o fato de sua casa ficar o dia inteiro aberta, tanto as portas da frente quando dos fundos. Um sinal da paz que era nossa Santa Teresa do Paruá e da confiança que ele tinha na gente daquele lugar. Aliás, sua casa mereceria um filme de suspense, pois eu morria de medo de passar a noite na calçada. Lá fora local do velório de seu filho, alem de alguns parentes ou amigos. Situações que viraram folclore entre as crianças da rua.

Poderia falar do homem que tinha, apesar do  estudo não muito aprofundado, perfil de gestor e espírito de liderança. Criava gado, quando era possível vendeu madeira - recordo dos troncos gigantes de árvores que nós brincávamos correndo sobre, ali do lado de casa -, vendeu estacas, acredito que negociou ouro pois alguns dos seus filhos trabalharam em garimpo (mas não tenho certeza) e foi dono de usina. Fora justamente nesse prédio da usina que foi instalado o primeiro hospital de Santa Teresa, o Hospital Cristo Rei (do Dr. Humberto. Marido da Dra. Olívia).

Era muito bom quando seus netos - Hildegardia, Erick e Édipo - que hoje moram em São Luís, mas dantes residiam em Taguatinga, cidade satélite Brasília, iam passar férias. Éramos como primos, vivíamos uns na casa dos outros brincando de tudo que era possível.

Recordo de um de seus aniversários - não sei de 50 ou 60 anos - deixou a cidade empolvorosa com o churrasco feito, para o qual vieram seus parentes que moram longe. Foi a primeira vez que vi um evento gravado em fita de vídeo, em que pude ver as pessoas ali de perto na TV. E foi pela telinha que vi a festa... eu era pequeno e meus pais não permitiram minha ida. Contudo, a atmosfera era festiva e já me deixava feliz.

Lembro bem que mandou matar um barrão que criava e Dona Raimunda, que trabalhou na sua casa por anos, fritou o toucinho transformando em torresmo. Eu na gula adolescente fazia um cone de papel de embrulho e ia encher de torresmo nas bacias que ficaram sobre a mesa da sala de jantar da casa.

Seu Bartião era pai do Claudionor (Boiô), da Ana Joaquina, Elza, Cláudio, Guimarães e do Claudimar e mais tarde da Lorrane, do seu casamento com a sua querida companheira Rosa. Sempre os melhores amigos das pessoas lá de casa. Pessoas que temos todo carinho, consideração e respeito. Recordo de que era um pai carinhoso com as meninas, com os rapazes um carinho mais contido, mas loucos por todos. Contudo, com os netos era sem barreiras. Um amor sem medidas. Era apaixonado pelas crianças.

Seu espírito público o levou a ser o segundo prefeito de Santa Teresa do Paruá, quando emancipada e recebeu a alcunha de Presidente Médici. Ele que já era parte da história oral da cidade, entrou pra história oficial.

As duas últimas vezes que o encontrei (aniversário de 60 anos de seu genro Nonato e quando veio fazer uma cirurgia) em São Luís, ela já bem idoso. Foram reencontros que me emocionaram. Foram como se eu estivesse reencontrando um pouco meu pai.

Quando meu faleceu ele foi um dos que mais sentiram.  Recordo da tristeza que ele e os demais amigos ficaram quando Juruca foi para o andar de cima... eles eram confidentes, conselheiros, ombro amigo, irmãos.

Hoje, 14 de novembro de 2021, aqui em São Luís o dia amanheceu nublado, ventinho frio, tristonho e mais silencioso que o normal para um domingo. Abri o celular e me deparei com uma nota de pesar anunciando o falecimento de Sebastião Guimarães Filho, o nosso querido Sebastião Falafina.  O sentimento é que mais um pouco do meu pai que se encontrava por aqui se foi.

Queria aqui registrar esses momentos vividos. Queria registrar o tamanho da importância desse ser humano na formação da nossa população em agentes um pouco mais políticos. E jamais poderia deixar de falar da sua presença nas memórias afetivas mais fortes e carinhosas da minha vida e da minha família.

Nossos sentimentos a todos da Família Guimarães, a família formada por todos seus amigos que conquistou.

Cala-se a fala fina, perde-se o Falafina, mas ficamos uma robusta memória da história de um homem que fez história.

Missão cumprida, hora de se retirar e descansar. Fica nossa gratidão.


domingo, 24 de outubro de 2021

SAMBA E CHORO GÊNEROS DEMOCRÁTICOS

 Estou em casa nesse momento vendo Enoque bordar sua fantasia para o Carnaval 2022 - para quem não sabe ele é Destaque da Grande Rio no Rio de Janeiro-. Meu corpo está exausto de tanto trabalho da semana. Mas, completamente agradecido a Deus por isso. Eu estava com saudade desse movimento. Coração feliz pelo fato de em 2 anos essa ser uma semana quase normal, como antes. Teve viagem a trabalho pela Vivo com eventos e prospecção de parceiros. E teve RicoChoro ComVida na área aberta do Museu Histórico e Artístico do Maranhão.


Público do Sarau RicoChoro ComVida no Museu Histórico e Artístico do Maranhão 


A noite de ontem foi mágica, chorinho, sambinha, poesias, pessoas queridas circulando, sorrindo com os olhos pra causa das máscaras. Foi um encontro maravilhoso de pessoas que gostam de boa música, todos apaixonados pelo samba e pelo chorinho. Baixos, altos, magros, gordos, pretos, amarelo, brancos, rosados, cabelos crespos, cabelos lisos, doutores, estudantes, pessoas de baixa escolaridade, gente rica, gente pobre, moradores da Península, moradores da área Itaqui Bacanga... enfim, todos curtindo a noite, a música, os encontros e as conversas com os olhos brilhando.

Como o chorinho e o samba são democrático e acolhedores, né? Isso é fabuloso. Durante o eventos de ontem eu tava refletindo sobre isso e hoje, domingo, 24 de outubro de 2021, vendo meu companheiro Enoque, bordando peças que vão compor sua fantasia de destaque principal de uma alegoria da Grande Rio, lá no Rio de Janeiro, me dar um orgulho enorme perceber isso esse espaço, pois não é um planejamento arquitetônico. Isso é! Só é! E só é  porque as partes têm sentimentos genuidos de respeito e reciprocidade. O samba, em especial de enredos, homenageam cantores como Zezé de Camargo, Chico Buarque, Elza Soares, Elis Regina, Roberto Carlos, Tom João,  Maria Bethânia, Ivete Sangalo, além de outros grandes brasileiros como Apresentador Silvio Santos, o jogador Pelé, o jornalista Assis Chateaubriand e Maestro João Carlos Diniz por exemplo. No mundo do samba é assim é amor em cima de alegria, é acolhimento em cima de hospitalidade. A própria história do samba e das Escolas de Samba mostram isso e como é lindo de ver.

O chorinho, que oficialmente é tido como carioca, sabe-se que no mesmo período do seu surgimento diversas outras cidades cidades país, inclusive aqui no meu Maranhão, tocavam músicas do gênero com características próprias. Hoje é um dos principais generos musicais brasileiros, junto do samba. Aliás, o próprio samba surgiu dos batuques vindo da África e incorporou outros elementos no Rio de Janeiro com influência também de pretos idos da Bahia.

Com o passar dos anos temos esses gêneros crescendo, evoluindo, surgem as escolas de samba e tal. Contudo, nunca, jamais perdeu sua característica de agregar e acolher quem mostra por ele afeto, confiança, verdade e reciprocidade. Querem exemplos? Seguem uns bem próximos a mim.

Ricarte Almeida Santos


O choro, talvez o mais desconfiado dos gêneros, talvez por duas músicas na maioria das vezes falar de amores, desilusões amorosas, dores de amor, eles vão acolhendo com o pé atrás, até caírem de amores. Meu irmão Ricarte, que apesar de não tocar nenhum instrumento musical e nem cantar, é dos maiores incentivadores do gênero no país. Apresenta o programa Chorinhos & Chorões há aproximadamente 30 anos e criou vários projetos para apresentações do gênero ao longo dos anos, como o de ontem à noite. Os grandes Chorões locais e nacionais dão o valor e a importância que o trabalho de Ricarte merece por tudo que têm feito até aqui, pois é inegável sua significativa contribuição para o crescimento do Chorinho em solos maranhenses. E ontem, além de encontro de  gerações havia no espaço pequenos empreendedores como forma de ajudar-lhes  em oportunidades de negócios.


Biné Gomes, eu e Enoque Silva com Joãosinho Trinta 

Do samba, que é mais festivo e mais  esfuziante tenho mais exemplos. Estes ligados às escolas de samba. Primeiro falo de João Trinta, de quem fui colaborador compondo sua última equipe de trabalho. Ele era maranhense e, ainda jovem, foi ao Rio de Janeiro realizar o sonho de ser bailarino.  Acabou carnavalesco da Acadêmicos do Salgueiro, Beija-flor, Vila Isabel e Grande Rio. Revolucionou o fazer escola de samba e é considerado o Gênio do Carnaval Brasileiro, pois seus feitos inspiram agremiações por todo país. Joãosinho representou o Brasil, através do carnaval, pelo mundo todo. Foram festas para sheiks, reis e príncipes.  Foi reverenciado por quase todos os brasileiros, a começar pelas agremiações por onde passou.

Enoque Silva em desfile da Grande Rio, 2021.

Outro exemplo é de dentro de casa e tem toda minha admiração. Enoque, meu companheiro de vida é um artista visual e carnavalesco maranhense de características físicas indígenas, morador de São Luís, e que tem 42 anos de trabalhos ligados ao carnaval dos quais há 25 compõe o quadro fixo de Destaques de Luxo da Acadêmicos do Grande Rio, que o acolhe com todo respeito. Isso dado seu investimento Artístico, logístico, sua entrega dedicada e caprichada à cada desfile.

Eu, Milton Cunha e Enoque Silva na Cidade do Samba.

Posso citar ainda o meu amigo, irmão de alma, um querido por quem tenho muito respeito e admiração por sua história e por tudo que me ensina e inspira. Milton é um homem branco, olhos verdes, paraense, nasceu em Soure (Ilha do Marajó) e foi criado em Belém. Foi para o Rio de Janeiro em busca de alçar grande voos. Seus caminhos o levaram a se tornar carnavalesco da Beija-flor, União da Ilha, Leandro, Unidos da Tijuca, São Clemente, Porto da Pedra, Viradouro e Cubango. Sua dedicação pelo trabalho, seu comprometimento e respeito por todas as escolas lhe renderam prestígio. Tornou-se o principal comentarista de carnaval da transmissão da Globo. Ele usa sua voz para dar visibilidade aos que fazem a escola que não são vistos no dia a dia. Ele usa sua voz e sua imagem para dentre tantos assuntos para fortalecer não somente os movimentos escola de samba, mas, o cenário cultural brasileiro como um todo. Ele é das artes como um todo.

Apesar das competições que na Marquês de Sapucaí são levadas muito a sério. Vejo que há, acima de tudo isso, um respeito a quem tem amor ao universo escola de samba. Isso já é o suficiente para ter o respeito de todos. Entretanto, quando a percepção é sobre uma Escola em específico o retorno pode ser ainda mais carregado de acolhimento, consideração e reciprocidade daquela escola. São muitos os exemplos de Intérpretes (antigos puxadores de samba - perdão pelo uso do termo Seu Jamelão), Passistas, Mestres-Sala, Portas-Bandeira, Diretores de Harmonia,  Mestre de Baterias que já transitaram entre várias Escolas e receberam acolhimento e reconhecimento.


Quitéria Chagas 

Nessa perspectiva posso citar Quitéria Chagas que tem uma história linda com o samba. Nasceu na Tijuca, mas sua história a levou ao Império Serrano, ao Cordão do Bola Preta, à Vila Isabel. Retornou à comunidade do morro da Serrinha. De passista foi Rainha da Bateria. Sua ligação, sua dedicação, sua atenção e seu amor ao samba e à própria Império a renderam o título de Eterna Rainha da Escola. Título dado pela após anunciar sua aposentadoria do cargo de Rainha da Bateria. A mulher foi adotada pela escola e pela comunidade a ponto de receber essa homenagem pela qual talvez nunca esperasse. Hoje é inspiração para meninas e mulheres na valorização da sua cultura e de sua gente quer seja nos desfiles ou em suas redes sociais - ela é um rainha bem descolada como uma boa influencer.

O samba, as escolas de samba, o Chorinho... esse universo é muito acolhedor, apesar de sempre terem sido diminuindo, anulados ou embranquecido por quem tinha a função de escrever, documentar a história nacional. Não ha muito tempo esse universo passou a ser objeto de estudo. Com o chorinho e o samba foi assim, mas nunca deixou de ser um ambiente democrático, hospitaleiro, acolhedor e, acima de tudo, feliz. Ontem o retorno do sarau  RicoChoro ComVida foi tão lindo, tão festivo que me deixou reflexivo, me fez lembrar tantas coisas boas que o samba e o chorinho tem me proporcionado, em especial os amigos como os que encontrei ontem e os que citei acima. E isso me fez feliz pra caramba. Que venham o próximo!

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

ANIVERSÁRIO DO PAPAI!

 



Não posso deixar de postar sobre o aniversário do meu pai, pois, muito antes de eu me preparar para comemorar o aniversário da minha querida São Luís, era para comemorar o seu aniversário que eu me preparava todo mês se setembro.

 Enquanto morei com esse "véi" do sorriso lindo, da gargalhada fácil eu começava o dia pondo o LP do Palhaço Carequinha e ele adorova. Ele tinha um humor diferenciado para hoje. Porém, tinha a solidariedade a flor da pele, do coração gigante e absolutamente da paz. 

 Quando da sua passagem ele era evangélico, mas, não o foi na maior parte de sua vida, e foi quando me ensinou o que era genuíno seu, o respeitar e o acolhimento a todos sem distinção. 

A minha relação em vida com o pai chegou a fazer bodas de Prata... foi pouco!!! Sinto que tínhamos muito a viver e aprender um com outro. Todas as vezes que nos falávamos dizíamos "te amo" um ao outro... foi muuuito pouco!!! Pois, tenho somente 42 anos e muita vontade e razão de dizer muitas vezes "Eu te amo, pops!". 

 Pai, obrigado pela mão abençoada que me livra de muitos finos nas ruas dessa vida louca. Te sinto no coração. Quanta saudade tenho de sentir ao seu abraço, cheio e voz. Tenho muuuita saudade de jantar pela segunda vez com o que o senhor deixa pra nas travessas, embora agora eu só faria companhia (não estragaria minha bariátrica, por nada... rsrsrs). Já o doce...rs Sinto saudade sem medidas quando vejo um por do sol na estrada e não vejo sua sombra vindo na sua "monark barra circula" apertando a campainha. E qdo ouço Gonzaga? 

 Mas, ó... apesar Neném do pai aqui sentir muita saudade, de chorar... vamos combinar algo... Não estou com pressa de fazer a passagem ainda, não. Tá? Então, aproveite que o senhor já deve ser amigo de gatos e cachorros aí em cima e Cuide para que nosso encontro demore mais, né? Rsrsrs

A vida aqui tá difícil, mas, sabe como é... a gente vai se virando e é apegado nessa vida, né mesmo? O senhor me entende. Só peça para manerarem a mão um pouco, que o parafuso tá apertado demais. A galera aqui embaixo precisa de um alívio. Entendido?

 Fica Combinado. Te amo! Parabéns!  

domingo, 29 de agosto de 2021

REGINALDO PEREIRA: UM BOM FRUTO DA FLORESTA E DO BOM JARDIM


Por Rivanio Almeida Santos 

 


           Artista plástico Reginaldo Pereira 

Sempre tive uma ligação forte com meus primos, em especial os do lado materno. Contudo, sempre tem alguém da família que não conhecemos. Há alguns meses nosso grupo de WhatsApp da família materna - Albuquerque Almeida - tem aumentado juntando nossos entes maravilhosos do Brasil todo. Através do meu Tio Avô Custódio, uma pessoa incrível, conheci vários parentes e soube de um primo de minha mãe (filho da sua tia Zeu, irmã do seu pai Manoca) que mora em Minas Gerais que seria Artista Plástico. Como sou ligado às artes fiquei curioso. 


Em pesquisa de redes sociais localizei REGINALDO PEREIRA e, lógico, houve uma aproximação, mesmo que Virtual, com o restante da família pelo "zap". Com o passar dos dias e das conversas fui conhecendo, além que um primo de segundo grau, um grande artista plástico e, mais que isso, um ser humano dono de um coração bom, além do normal. Quem estiver lendo esse texto e gostar de arte, de quem a produz arte, de trabalho social ou pelo menos de boa história, siga o fluxo e continue a leitura.

Reginaldo nasceu no Maranhão, mais precisamente na cidade Bom Jardim, àsmargens da BR-316. Enquanto morou por ali viveu o seu mundo pé no chão, literalmente, comotoda criança. Brincando descalço, correndo entre árvores, olhando macacos, papagaios, araras, tucanos, nadando no Rio Pindaré e seus afluentes... Regis era um pequeno garoto criando também na floresta, na região de reserva indígena do alto turi. Na adolescência, final dos anos 80, foi morar em Imperatriz, no sul do Estado, para ser desenhista e pintor de telas por estímulo de uma grande amiga. Aprimorou assim a sua técnica. Em 1997 foi morar em Minas Gerais a convite da decorada Maria Alice Derenusson. Ministrou aulas na escola de Maria Alice e, pouco tempo depois, abriu um espaço na Associação Uberabense de Artesões e Artistas, na cidade Uberaba, onde realiza pesquisas, faz seus estudos e ensina pintura a óleo sobre tela.

 O artista executando uma obra.

Obra de Reginaldo em decoração de apartamento.

Suas obras têm grande procura de arquitetos do país todo e normalmente são grandes telas ou painéis feitos por encomenda para residências de alto padrão. Inclusive, dias desses reconheci, através de uma postagem no Instagram,  um de seus trabalhos no apartamento de um casal de empresários aqui de São Luís.

Um artista reconhecido, inclusive fora do país, com trabalhos expostos na Europa, busca em seus trabalhos retratar a natureza através da fauna e flora da infância do pequeno Regis. A floresta Pré-Amazônica onde cresceu é o tema principal de suas telas. Grandes árvores, bananeiras, bromélias, rios, riachos, macacos, tucanos, papagaios, araras vermelhas, araras azuis, onças e, como não poderia deixar de ser, os índigenas da região. É maravilhoso ver que mesmo morando há bastante tempo fora do Maranhão, e mais ainda de Bom Jardim, a sua essência está ali, naquele pedaço de chão lindo que era cheio de muito verde, onde infelizmente volta e meia os povos originários, nossos indígenas, têm que se manifestar para terem seus direitos sejam respeitados e garantidos.

Apesar de eu ter descrevido lá em cima a parte lúdica de sua infância, ela não fora em nada fácil. Aliás, que facilidade tem a vida de crianças pobres nesse Brasil? Lembro que o  Maranhão sempre esteve figurando como um protagonista entre as UFs mais pobres do país.



Crianças associadas à Biblioteca Reginaldo Pereira nas oficinas oferecidas.

Em atitude generosa de retribuição a tudo que o destino, seus esforços, as bênçãos, as oportunidades, a sorte e, em especial, seu suor lhe deram, mesmo à distância, desenvolve um projeto lindo voltado às crianças da cidade onde nasceu. Em Bom Jardim instalou a Biblioteca Reginaldo Pereira, que está de portas abertas às crianças da região. Lá o atendimento vai  além do empréstimo de livros para pesquisas ou leituras. A biblioteca realiza concursos de recitação de poesia -  com premiação como incentivo extra de participação - , oficina de pinturas, plantação de semente de árvores e aulas de iniciação musical em flauta doce, violão e violino. 

Acadêmico da Academia de Letras do Brasil, ALB - Seccional Uberaba - o artista recebeu o título honorífico de Dr. Honoris Causa em Artes Plásticas pela Federação Brasileira dos Acadêmicos das ciências, Letras e Artes, FEBACLA - RJ. Além deste título Reginaldo Pereira recebeu ainda a Comenda Maria Quitéria - Heroína da Patrícia e a Moção Honra ao mérito e prêmio da Academia Alternativa de Artes da Albânia em parceria com a Academia de Letras do Brasil (ALB) Seccional Uberaba, que homenageou brasileiros que contribuíram no ano de 2019 para o desenvolvimento das Ciências, Letras e Artes no Brasil e no mundo.

Cerimônia em que recebeu  títukos entre eles 

a Comenda Maria.


Quem acompanha ou tem oportunidade de conhecer um pouco sua história se encanta em ver seu trabalho e todo o reconhecimento que tem tido até aqui. Afinal, além de ter um trabalho de qualidade, prima por mostrar um tema que cada vez mais merece de cuidado e atenção - basta dar um Google sobre o aumento das queimadas no Brasil -. Talvez seja ousadia minha, mesmo assim insisto em dizer que o seu trabalho é ativista na defesa do meio ambiente através da sutileza, beleza e nobreza da natureza amazônica. Dá gosto de ver sua obra, dá gosto ver a sua satisfação por cada conquista profissional, mas, principalmente por conseguir realizar seu trabalho social através da sua biblioteca e dos anjos que compõem sua equipe à frente das atividades da Biblioteca. Sua vibração a cada ação realizada às suas crianças é contagiante. Dá orgulho de ver que no mundo ainda tem gente de bom coração e que um deles é do Maranhão e que temos algo em comum.

Reginaldo Pereira é maranhense, artista plástico, ativista ambiental, ativista social e tá fazendo uma revolução junto às crianças de Bom Jardim. Tenho certeza certeza esta revolução vai reverberar lá, no Brasil e no mundo de alguma forma. Regis é uma inspiração.



domingo, 1 de agosto de 2021

SIMONE BILES E OS SALTOS SOBRE OS GATILHOS

 

Simone Biles executando um salto.
Fonte: Site CNN Brasil

Em uma das minhas sessões com minha Psicóloga Bruna eu disse que pretendia escrever sobre ansiedade e o destino que ela pode levar o passageiro que despercebidamente embarca na viagem perigosa que ela induz qualquer um a fazer. A pretensão não era, e não é, falar como um profissional estudioso do caso, mas como alguém que tem passado a vida pulando desse trem que volta e meia quis descarrilhar. Eu não sabia como começar, um medinho de escrever e reviver os sentimentos ruins que nossos gatilhos produzem me fez fugir da promessa ate agora. Contudo, alguns acontecimentos lá no Japão me acionaram um gatilho de coragem. Chegou a hora de parar essa  procrastinação e não fugir a promessa que fiz, não somente à Bruna, mas a mim  mesmo. Ter coragem para expulsar de dentro de mim alguns fantasmas. E falar algumas verdades e pedir para que você que está lendo reflita e faça a autoanálise nas situações. 

Se havia alguém no planeta que não conhecia a ginasta americana Simone Biles, creio que agora conheceu. A maior promessa de medalhas de ouro das Olimpíadas do Japão (2021) tem desistido de competir das finais de provas que poderiam fazer a maior de todos dos atletas de todos os tempos. Ela desistiu de competir as finais das provas como a individual geral, de salto, de barras assimétricas e trave para cuidar de sua saúde mental. Muitos nem se deram ao trabalho de fazer um “justo” julgamento, se é que é possível, se não teria levantado toda a história dela e todas as situações que têm enfrentado para chegar onde chegou e entender a importância de sua decisão. Embora tenha recebido bastante apoio, alguns já a condenaram por sua atitude, afinal... “já tava lá mesmo, né? Que que custava?”... "era medo de fracassar já que estava errando nas execuções das provas e não levar ouro"... "pura estratégia por causa de patrocinadores"... Que seja, se as consequências, mesmo que financeiras, poderiam lhe prejudicar ainda mais sua vida profissional e consequentemente sua saúdepsíquica, foi sua melhor decisão. Quem nunca ficou mal quando a situação mexeu no bolso Que? Que sua saúde não pague o preço pelas frustrações alheias.

Daiane dos Santos, Jade Barbosa e Daniele Hipólito.
Fonte: Globo Esporte 

Lembra do caso de ginastas vitimas de assédio sexual por parte de um ex-técnico da seleção de ginástica brasileira, o Fernando de Carvalho Lopes? O que esses jovens devem ter passado só quem já passou por algo semelhante pode imaginar. Recordo que em 2008 o canal ESPN veiculou uma  matéria no programa Histórias do Esporte que fez a ginástica brasileira dar muitos pinotes descompassados. No episódio as ginastas Jade Barbosa, Laís Souza e Daiane dos Santos, falaram que  foram várias obrigadas a treinar até a exaustão e chegaram a competir lesionadas. E, para culminar, eram obrigadas a terem uma dieta de apenas 800 calorias diárias. Nem vou detalhar os casos de racismo e das circunstâncias homofóbicas não combatidas pelos dirigentes de equipes.

Circunstâncias de pressões como estas não acontecem somente na ginástica ou no meio esportivo. Fora desse "Olimpo de deuses  e heróis" fantasiados e taxados por todos nós estamos rodeados de pessoa que vivem esses dramas. Vide a sociedade dos cancelamentos das redes e o crescente número de abusos nesse período pandêmico a que temos tido conhecimento pelos noticiários diários - sem falar os que não vêm à público. Situações na maioria das vezes causas por pessoas próximas. 

Muitas pessoas estão passando por situações semelhantes de violências tais que lhes causam, se não hematomas na pele, feridas na alma que são sentidas através de taquicardia, calafrios, desespero, sentimento de ser o problama do mundo, de que nada sua vida tem dado certo e uma vontade louca de sumir do mundo e com a única certeza que nada daquilo passará. Estes sentimentos ou sensações são estartados pelo que se chama "gatilhos". Eles podem ser situações, pessoas, falas, atitudes, cheiros, acontecimentos, uma simples música ou outras formas de lembranças da causa do sofrimento. Algumas podem acontecer na infância e prejudicar muitos aspectos da vida adulta. Eu descobri as razões de minha dificuldade em aprender a língua inglesa. Trago alguns exemplos de acontecimentos que se tornam gatilhos emocionais traumáticos perigosos:

- Quando se nasce sobre a sobra alguém é TEM que ser igual aos seus ou melhor que os outros.

- Quando se TEM o peso de TER que ser o que seus pais esperam, que seus vizinhos desejam, que sua esposa ou marido sonha ou tudo aquilo que seus filhos desejam.

- Quando você TEM que seguir o padrão que a sociedade impõe a cada temporada de modas e modinhas fúteis.

- Quando você TEM que se esconder no armário, atrás da parede, de uma imagem, dentro do seu coração ou da cabeça.

- Quando você TEM que vestir algo para agradar os outros ou quando você deixar de vestir o que deseja.

- Quando TEM que se comportar conforme a vontade alheia ou se calar sobre o que deseja falar.

- Quando TEM que ficar sério do que te faz sorrir e ou tem que sorrir do que te desagrada, entristece ou fere.

- Quando TEM que tirar somente notas altas e mostrar boletins e históricos escolares azuis por ser filho, irmão ou simplesmente pelo fato de ter que provar que você é diferentemente melhor e superior do que o estereótipo que pintaram sobre pessoas como você.

- Quando você TEM que se submeter a violências psicológicas, físicas e sexuais por ser você - mulher, gays, crianças, pretos - Mesmo que você mesmo ainda nem entenda quem e como você é ou não tenha formas de reagir às circunstâncias.

- Quando ainda assim você TEM que ficar calado, pois as falas de quem te violenta junto às circunstâncias do medo te fazem se sentir culpado pelas violências sofrida por você.

- Quando você TEM que sofrer em silêncio sem conseguir gritar para pedir socorro.

- Quando mesmo assim você TEM que ganhar todas as medalhas, taças, faixas, campeonatos, disputas, concursos...

- Quando você TEM que se mostrar bem, imbatível, sorridente, brincalhão, divertido, competente e que nada te abate.

- Quando você decide exorcizar seus fantasmas e TEM medo do julgamento dos outros, principalmente de quem você esperaria apoio.

- E, pior, quando você passa a acreditar em todas essas “obrigações” do verbo TER que as pessoas depositam em você para agradar a tão somente a eles.

Todos esses exemplos nós que passamos por uma situação ou várias delas temos que passar sozinhos e vamos debitando no banco de nossas emoções, do saldo de nosso psicológico e a conta não fecha. Isso tudo é tóxico. Isso tudo é venenoso. Tudo isso é um caminho minado, pois quando se carrega TODAS estas cobranças – sim, TO-DAS! Elas nunca vêm sozinhas, nem em duplas. Elas explodem em nossa vida de uma só vez, no máximo uma atrás da outra -  sem avisa.... PAH!!!  PEI!!! BOOOM!!! De surpresa! E como quase nunca se consegue atender todas as expectativas alheias o sentimento de frustração toma conta, os olhares e falas de julgamento e cobranças nos fazem afundar no sentimento de incompetência e fracasso.

Em um passe de mágica a pessoa se vê dentro de um poço fundo, escuro, gelado, sem roupa, sem cobertor, sem corda pra subir e sem mãos para puxar pra fora dessa prisão. Somente enxerga as mãos que apontam e as bocas que os condenam à “frescura”, ao “exagero”, a “falta de razão”, à “falta de Deus” e à “fraqueza da mente humana”. São cobranças terceiras que adoecem as vítimas crerem que devem se autocobrar para atendê-las. São cobranças de uma expectativa que querem ditar o ritmo e os caminhos de vidas dos outros..E quando se está no fim do poço... quando não se vê saída... quando se sente que está sendo peso morto, u. fracasso, uma escória... qual o sentido de viver?  Para que viver se a dor interna é dilacerante, se nunca vai ser feliz conforme as pessoas querem que sejam? Tiram dessas pessoas a capacidade de enxergar a própria essência, de sentir as próprias vontades, de querer ser o que quiser ser e de viver o que as fazem felizes. 

Muitos não têm como enxergar o contexto geral de fora e ver que precisa de ajuda profissional. Outros até percebem, mas não têm condição ou apoio para tal. Só lhes resta desistir... E ainda assim, após tudo será condenado ao inferno ou purgatório pelos “juízes terrenos dos pecados alheios”.  Tiram desses até o direito a um julgamento no juízo final diante o Único que tudo ver e pode julgar, perdoar ou condenar. Mais uma vez digo, só quem viveu sabe.

Simone Biles 
Fonte: Internet 

A decisão da Simone Biles não é sobre ser fraca, não é sobre nadar, nadar e morrer na praia. A decisão da Simone Biles é sobre cansar de carregar nas costas não o seu mundo real, mas o mundo fantasioso que os outros constroem e querem que você carregue. Afinal, não basta você bater o sino e acompanhar a procissão. Impõem que você tenha que ainda distribuir hóstia, passar a batina do padre, rezar o terço, fazer coreografia, receber confissão – mas, não pode confessar -, rezar a missa, carregar o andor, ser a imagem, dirigir o carro de som e ainda ter que cantar “segura na mão de Deus e vai”.

A decisão de Simone Biles é sobre mostrar pra todos nós que chega do peso do verbo TER. Não “temos que” nada para agradar ninguém. E tá tudo certo! 

É preciso dar uma basta. É preciso que cada um se pergunte como está agindo com quem tá do nosso lado. Como está agindo com o pai, a mãe, o irmãos, o marido, a esposa, os filhos, os colegas de trabalho, seus vizinhos, seu amigo. Como está falando com eles...  Será que estou cobrando algo que não é de minha conta?  Será que muitas decisões e ações do meu vizinho não tem a ver com o que ele aprendeu como certo? Será se meu colega já foi vítima de algum traumas ou alguma situação de violência que lhe causou danos interiores? O que me interessa se aquele casal de amigos casados há tanto tempo ainda não tem filhos? Será que falar do aumento ou diminuição do peso de alguém não fere a pessoa? Será que cobrar por uma vida de sucesso, dentro do  que eu julgo ser sucesso,  não é inconveniente? Porque o fato de fulano ser de alguma letra dentre os LGBTQIA+ me afeta tanto? Será que não estou querendo que as pessoas ao meu redor tenham a vida que eu queria ter - e não tive – para me agradar? Será que as pessoas não podem ter seus gostos e suas vontades? Será as pessoas não podem viver suas próprias vidas conforme elas queiram ou estejam dentro do seu possível? Será que se eu não sou o gatilho de ansiedade de alguém que digo gostar? E se tudo isso fosse comigo? 

Aos mais corajosos... eu diria pergunte a uma pessoa que você gosta se está sendo tóxico com ela em algum aspecto da vida. 

Se algum das respostas for positiva... é melhor parar!  Você pode tá adoecendo alguém.


sábado, 22 de maio de 2021

VOCÊ JÁ SABE O QUE É VELHICIDADES?

 

Eu sempre fui apaixonado pela mágica da fotografia e, como um autêntico leonino, pelas fotografias que tinham a minha imagem - hoje sigo bem menos narcisista. Depois passei a registrar os momentos em família, em especial dos meus sobrinhos. Segui assim até que passei a registrar em imagens as razões da minha paixão por pela capital maranhense - os patrimônios arquitetônico e culturais - nos ângulos que as esses patrimônios mesmos se lançam ao meu olhar "pedindo" um registro. 

Esse meu olhar de amor pela cidade, me fez cada vez mais tentar fazer algo por todo esse patrimônio. Pensando nisso, e após decidir largar o curso de Licenciatura em Educação Artística na Universidade Federal por falta de, dentre tantas coisas, identificação com o objetivo do curso - naquele momento não quis ser professor -, decidi fazer o Curso de Turismo na FACAM, uma faculdade particular local.

Era 2005, um ano supermarcante na minha vida, foi a faculdade que também me ajudou a superar a perda do meu pai, vítima de um infarto fulminante. Me entreguei e me apeguei ainda mais ao curso, aos trabalhos, pesquisas, colegas, a minha paixão pela fotografia e aos professores.  Estes, aliás, foram sempre incentivadores e inspiradores exemplos de comprometimento com o qualidade do processo educacional completo. TODOS foram incríveis!

Dentre os mestres que tive a honra de ser aluno, estava a Professora Doutora em Educação e Mestra em Gerontologia Terezinha de Jesus Campos de Lima, Turismóloga com experiências em lazer, hospitalidade, turismo, educação e que já atuava na área de Gerontologia na Universidade da Terceira Idade (UFMA) com temas tais como envelhecimento/velhice, velhice rural, lazer e turismo.  A Professora sempre foi admiradora e grande incentivadora das minhas capacidades ligadas às questões fotográficas. Vínhamos saiamos há bastante tempo conversas sobre algum projeto juntos ligado aos idosos. Anos depois ela tornou-se professora do Curso de Turismo do IFMA, mas nunca abandonou o tema da gerontologia. E dentre suas ocupações é hoje Líder do Grupo de Pesquisa Velhice, Cultura e Sociedade/GEVCS-IFMA-CNPq e com o qual faz um trabalho de extensão, chamado VELHICIDADES.

O tempo foi passando e ainda não tinha rolado o "nosso projeto". Em 2020, no alto crista da primeira onda desta tempestade que estamos passando, ela me liga com uma preocupação pertinente e uma proposta linda, necessaria e, portanto, irrecusável voltado ao Velhicidades. E qual era essa proposta? Bom, sabemos que esse último ano foi difícil para todos, e para os nossos velhinhos foi ainda pior, a ideia então era levar atividades a esse público assistido pelo Grupo de Pesquisa junto a Casa Happy, instituição de longa permanência de idosos,  atrás da arte-educação por meio das minhas fotografia de Patrimônios e Monumentos de São Luís. Topei na hora, escolhi e disponibilizei alguns registros para serem transformados em rascunhos, que seriam reimaginados, recriados, repintados... e foram então docemente revisitados pelos senhores e senhoras em questão. Era ou não uma proposta irresistível? Que ideia maravilhosa... contribuir com a diminuição da ociosidade, da solidão, do medo, das incertezas e da vulnerabilidade dos riscos à saúde - física e mental - de pessoas idosas.

Agora em 2021, há alguns dias, Professora Terezinha entra em contato comigo pelo "zap" me falando de uma parceria do Grupo de Pesquisa com o Marvore - Museu da Árvore, um pequeno museu de ideias (como  é descrito no perfil do Instagram) - que se inscreveu para participar da 19a Semana Nacional dos Museus, de 17 a 23 de maio - realizado virtualmente. E sendo o tema de ano "O Futuro do Museus: Reimaginar e Reconstruir", houve um casamento perfeito com o projeto realizado em junho do ano passado (2020), pois ele propunha isso... um reimaginar os patrimônios capturados naquelas fotos com a liberdade e criatividade dos idosos e seus sentimentos, experiências, conhecimentos e lembranças para reconstruir um novo hoje imaginário aos Monumentos de outrora e, sobretudo, gerar um novo sentimento nesses idosos diante o turbilhão de novidades distanciantes que desde então passaram a viver. E a partir dessa união - Pandemia, Grupo de Pesquisa, Marvore, Semana de Museus, os Idosos, eu, Patrimônio, Monumentos, Fotografia e Virtualidade - nasceu a "Exposição Velhicidades: A Velhice em tempo de Pandemia" no perfil do Instagram do Grupo de Pesquisa (@gerontologia.ifma), que já está disponível para apreciação de todos. Esta é a 4a Edição da Exposição Velhicidades, que vem sob o chamado "A VELHICE EM TEMPOS DE PANDEMIA" e objetiva dar visibilidade à situação da pessoa idosa nesse contexto pandêmico.


Você, leitor, não faz ideia do quanto eu fico cheio de orgulho dessa exposição virtual, e tudo e todos que estão envolvidos para sua realização, pois, ela retrata um trabalho que vai além do ambiente acadêmico. Reflete a grandiosidade e a responsabilidade do espírito humano, uma preocupação e ação que deveria ser de todos - preservar a saúde, física e mental, daqueles que já plantaram, contribuiram para sombra de muitos e mereciam agora colher os frutos -. Essa exposição ainda reflete a necessidade de  pararmos para pensar no hoje, quando - apesar das reclamações do Ministro - todos nós queremos viver muito um amanhã longo e diferente. Ademais precisamos respeitar, valorizar e proteger nosso passado e quem o fez.

Esse conjunto de trabalho me dá ainda mais motivação em continuar fazendo os meus registros e fortalecendo a vontade de contribuir às causas relevantes tal como essa e levar um olhar de carinho sobre nossa cidade ao público em geral. Sempre recebo comentários motivadores de pessoas que nem conheço e de amigos como Denyse Cardoso, que me disse em uma mensagem hoje: "Vendo suas fotos é que eu vou puxar pela memória a lembrança de que eu ja estive naquele lugar. Isso me faz pensar que eu devo abrir mais os olhos (...). Mas, abrir os olhos pra apreciar o que minha cidade tem. Tem gente que viaja até aqui em busca dessa história, de conhecimento, de fotos. Eu tô aqui e não estou aproveitando. Obrigada amigo". Mensagens como esta, trabalhos como o Velhicidades, a iniciativa do Marvore, a exposição, a dedicação de todos os profissionais e acadêmicos envolvidos e, acima de tudo, os resultados alcançados juntos a esses idosos fazem valer a pena cada registro que faço, edito, legendo e público. Até mesmo os  que me levam um pouco de sangue, literalmente falando.

Por hoje é só... mas, para entender direitinho do que tô falando, vai lá no perfil deles, vira seguidor para ficar por dentro de tudo e curte a exposição. Segue o link: 

https://instagram.com/gerontologia.ifma?utm_medium=copy_link


Fui!



domingo, 16 de maio de 2021

BRASIL IMPERIAL


Desde criança minha cabeça sempre trabalhou muito para entender as lições da escola. Foram anos estudando apenas através do que os professores escreviam na lousa verde da sala de aula, do que explicavam e dos resumos dos temas em textos datilografados que nos eram entregues em cópias mimiografadas com as letras roxas por causa do carbono utilizado e que, muitas vezes, ainda chegavam com cheiro do álcool da impressão. Os livros eram raros, até pelas condições da cidade onde vivia. Para ajudar na compreensão do que ouvia e lia eu usava minha imaginação - muito aguçada pelas novelas de época - principalmente nas aulas de história, que sempre me fascinaram. 

Quando visitei a capital pela primeira vez,  minha irmã Rogener foi a guia e a primeira saida que fizemos foi para o bairro da Praia Grande, que muitos chama de Reviver. Parece que eu pulei para dentro da minha mente, eu entrei em transe, viajei no tempo, entrei no mundo dos textos, das novelas "Escrava Isaura", "Direito de Amar" e até "Que Rei Sou Eu mudei?"... como as novelas me ajudaram a estimular a imaginação, embora não retratassem as histórias reais.

Quando mudei de fato para São Luís, as coisas mudaram um pouco em relação as ferramentas de ensino. Aqui as escolas tinham mais acesso a recursos que no interior não tínhamos. Meus professores de lá transmitiam tudo na didática possível, praticamente no gogó (minha gratidão a eles sempre). Já aqui tínhamos os recursos de vídeos de filmes, documentários, passeios nas ruas, visitas à museus, bibliotecas e centros culturais, por exemplo. E, por falar em filmes, vale lembrar Carlota Joaquina - a princesa do Brasil foi boa parte rodado em São Luís (vários amigos e professores atuaram nele). O filme de Carla Camurati, foi lançado em janeiro de 1995, mês e ano que cheguei, é marco na retomada do cinema nacional e fala da chegada e estada da família real no Brasil. Uma película me abriu ainda mais a mente  a compreensão e o orgulho de ver meu Maranhão na tela.

Estes dias procurando algo para assistir no fim de semana descobri na plataforma de streaming Amazon Prime Vídeo a série brasileira "Brasil Imperial", produzido pela Fundação Cesgranrio, escrita por  Antônio Ernesto Martins e dirigida por Alexandre Machafer. Após 25 anos do filme de Camurati a série, que ficará disponível ao público do Brasil, Portugal e Africa tem 1 temporada dividida em 10 episódios onde são mostradas desde as motivações da vinda da Família Real - fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte -, bem como a chegada, os conflitos em terras brasileiras até o retorno de D. Pedro I para Portugal. Sem esquecer suas aventuras, seus casamentos, o romance com Domitila de Castro (a Marquesa de Santos), o início dos movimentos abolicionista, os republicanos... Confesso que comecei assistindo como quem não quer nada... e me apaixonei pelo trabalho, que tem atores e atrizes talentosíssimos, um texto de fácil compreensão - eu diria até didática - que ajuda muito no entendimento dos contextos dos acontecimentos. E o que falar da fotografia, iluminação, figurino, locações e cenários? De cuidado e caprichoso primoroso.

Além do contexto geral, chamou-me atenção, o personagem Arrebita, primeiro protagonista do ator alagoano, Oscar Calixto. Ele entrega ao personagem até aquela verdade que só vemos no fundo do olho. Curiosamente o personagem é um dos únicos que são ficcionais na trama, mas foram criados com nuances de histórias reais e situações da época apontadas em pesquisas, textos e cartas. A outra ficcional presença é da forte Ana do Congo, sua esposa na trama, vivida por Jéssica Córes (a Camila de Cidade Invisível - Netflix). Vale ressaltar que essa mulher é também de um talento visceral, além de possuir beleza e elegância indiscutíveis. 

Arrebita e Ana do Congo


Funcionário da corte real, Arrebida, se apaixonou pela bela Ana do Congo, uma mulher escravizada. Enfrentaram juntos preconceitos raciais l até conseguir liberdade dela. Casaram-se e tevieram filhos. Associando o fato de ser um homem perspicaz, inteligente e que tinha leitura, uma situação específica na trama - não digo qual para que a curiosidade também seja razões pra você assistir - o tornou um homem ainda mais corajoso, um português ativo nas lutas pelos direitos do povo brasileiro. O enredo em torno desse casal me chamou atenção por algo pessoal, obviamente de época diferente. Meus pais enfrentaram situações de preconceitos quando decidiram casar, pelo fato dela ser branca (moça prendada da roça) e ele preto (trabalhador do comércio da cidade). Casaram tiveram filhos que, parte deles, trabalham para garantir aos maranhenses, aos brasileiros e até imigrantes direitos à respeito, educação, liberdade e  igualdade.

Estava refletindo com isso que quem decide enfrentar a vida para viver sua essência, seus amores e suas verdades é cobrado a pagar um alto preço, mesmo que não deva a ninguém. O que me chamou atenção no Arrebita, foi essa coragem de sair da "comodidade" de um homem branco da época para se tornar marido da preta escravizada, mesmo que forra, e enfrentar tudo que essa posição acarretava - e ainda acarreta -. É uma decisão de coragem, muita coragem. Pois o ser preto, já dava à pessoa a consciência do que vai encontrar no dia a dia e a consciência das dores que viriam. Agora se colocar assumidamente numa situação marital, de parceiro ou companheiro sem saber o grau das dores de ser alvo dos preconceitos de alguém é um ato de coragem, e, sobretudo, de amor. Isso sempre admirei na minha mãe, e que me inspira sempre e fundamenta muitas decisões minhas.

Oscar Calixto (Foto: Divulgação)


A escolha de Oscar Calixto para viver o personagem foi muito acertada. Um profissional com 22 anos de carreira com trabalhos no cinema, teatro e TV. Ele foi cirúrgico na composição do jovem que se torna um bravo homem.  O ator, além de talentoso é um cabra de uma generosidade incrível - após assistir aos 10 episódios passei a seguir seu perfil no Instagram, ele me deu boas vindas e conversamos um pouco, tempo suficiente para me contar que conhece o Maranhão e que seu pai mora em Olho D'água das Cunhãs, cidade do interior do Estado que ficam entre Santa Inês, Bacabal e Vitorino Freire. Fiquei ainda mais feliz em conhecer um pouquinho mais da história do artista. Viva o Nordeste!!!

É isso... deixo minha dica para pais, professores, escolas e quem quiser relembrar a história brasileira a usarem, em especial nesse momentos e distanciamento social, a série Brasil Imperial como uma fonte entretenimento e, sobretudo, de conhecimento. Até pelo fato de que quem busca conhecer a história não compactua com golpes, insanidades e nem com o que é considerado genocídio.





segunda-feira, 3 de maio de 2021

ANA LULA: não lhe faltavam temperos e ingredientes... o gás acabou. 

 

Os turismólogos Rivas e Enoque Silva ladeando e beijando a culinarista Ana Lula.

Primeiro eu conheci a fama da dona do Antigamente - principal bar e restaurante do bairro da Praia Grande, entre as décadas dos anos 1980 e 1990, no centro de São Luís -. O que chegava até mim, não era das melhores famas. Ela era taxada como uma mulher muito dura, que queria mandar no Reviver e que brigava até com a polícia. Quando passei a frequentar seu empreendimento comecei a entender que ela era, na verdade, um alvo de pensamentos e práticas machistas. Afinal, ver mulher comandando um negócio. e de sucesso, não todo mundo que aceita.

Ana era uma mulher, mãe de 03 filhos - que eu saiba -, avó, que, conhecedora de seu grande talento na culinária, empreendeu e tornou-se dona do mais famoso bar e restaurante do centro histórico da cidade. Seu espaço era conhecido por todos os turistas que vinham à Capital maranhense. 

O Antigamente dava mais vida ao Praia Grande, conhecido popularmente como Projeto Reviver. Era ponto de encontro de turistas, amigos, casais... todos aqueciam o estômago com pratos deliciosos, gelava a garganta com bebidas geladas e aquecia o coração com músicas ao vivo. Grandes nomes do cenário musical de São Luís passaram por lá. Quase todos os quarentões - ou mais - que passaram por São Luís nas décadas acima tem alguma história ligada ao Antigamente.

Se ela brigava com a polícia? Sim, é não era para brigar?! Com todos seus documentos e impostos em dia, ela brigava  para que fizesse o papel de dar segurança aos estabelecimentos e frequentadores da área. Ela brigava com clientes para impedir comércio de drogas e casos de assédio sexual infantil nas dependência do restaurante - isso eu mesmo vi -. Para ela isso era intolerável.

Tempos mais tarde entrei no universo do turismo local e fui conhecendo-a mais de perto, até me tornar - como Enoque - amigo dela, embora nossas ocupações não nos permitissem nos vermos com tanta frequência. Entretanto, essa aproximação me fez perceber que Ana não brigava exatamente, ela exigia e cobrava o que era correto, o que lhe era de direito como cidadã, empreendedora em dias com suas obrigações e exigia o que era de obrigação dos poderes públicos para proporcionar segurança a todos na região. Ela que primava em oferecer o melhor aos clientes,  mesmo que para isso precisasse alterar a voz e sua pressão arterial. 

Enoque Silva e Ana Lula

Falando em pressão arterial, certa vez o Trade de São Luís estava em Belém para uma rodada de negócios com o Trade de lá - eu acompanhei muito, por minha conta, a Secretaria de Turismo de São Luís nesses trabalhos de divulgação, mas nesse eu não estava -. Pois bem, trabalharam os dias necessários na cidade e na hora do embarque, todos já entrando no avião, ela teve uma crise de pressão alta e não poderia embarcar. Foi então que o turismólogo Enoque Silva e a jornalista Léa Zaqueu, que participavam da comitiva, se dispuseram à acompanhá-la o tempo que fosse necessário. Medicada, e assistida por médicos do aeroporto, foi liberada para viajar. Ao adentrar no avião entrou falando alto, comemorando e fazendo piada com a situação: "Gente, eu não morri! Eu não morri!!". Todos riam num mix de comemoração e alívio. 

Quando cansou dessa luta, da qual concluiu que apenas dava murro em ponta de faca, Ana decidiu fechar o Antigamente - foi então uma grande perda à região da Praia Grande - e decidiu instalar na sua residência, no bairro do Vinhais, um atelier gastronômico, o Casa de Juja. Com sua garra, não tinha medo de recomeçar e s ua nova marca não tardou a ganhar fama e se consolidou como um dos principais points para se ter uma experiência de sabores inesquecíveis em terras do Maranhão. Sua mais famosa criação, o Arroz do Mar, é um dos pratos mais irresistíveis já feitos nessa cidade e copiado em muitos lugares. 

Arroz do Mar, mais famoso prato criado por Ana Lula


Chega ontem e soubemos que faleceu mais essa querida amiga, mais que isso, faleceu um grande ícone da cultura gastronômica e do turismo maranhense, vítima do covid. Faleceu ANA LULA, do Antigamente e do Casa de Juja. Nosso 02 de maio de 2021 se fez noite sem estrela ou luar e sem música alguma em pleno início de  tarde de domingo. Esse vírus, que insiste em não querer sumir e que, em nosso país, parece ter aliados importantes, a levou embora sem chance de um "até logo". Ana partiu e deixou-nos com o corações tristes, apertados e nossos dias futuros sem o olfato e o paladar da alquimia que tinha domínio como poucos. Nesse tacho que era sua vida, não faltavam temperos e ingredientes... o gás acabou.

Beijos, querida! Você já faz muita falta.

sábado, 1 de maio de 2021

HISTÓRIA DOS ANOS 80: TEMPO DAS PASSARELAS DOS PARTIDOS 

Rozeane Pereira 

Há um bom tempo eu quero escrever sobre vários acontecimentos, eventos, coisas que vi, experiências que vivi e como interpretei. Fatos que me foram marcantes quando criança na minha cidade Natal, Santa Teresa do Paruá. Um desses temas é o que nós chamávamos de "Partidos". Ainda não o tinha feito porque gosto de ilustrar com imagens e não tenho nenhuma imagem desses eventos. Entretanto, um acontecimento triste, e completamente inesperado, esta semana me faz antecipar esse texto, mesmo sem imagem específica dos Partidos.

Perguntas devem está borbulhando na sua cabeça, querido leitor, eu sei... Partidos? Que acontecimento inesperado? Eu já explico.

Bom, Partidos na minha infância não era tinha nada com questões políticas. Nossos partidos eram desfiles, às vezes bonecas e outras vezes meninas vestidas de bonecas numa espécie de concursos de beleza Kids. Normalmente grupos de meninas - crianças, adolescentes e jovens - se uniam e decidiam como seriam as disputas. Entre estas escolhas estavam a definição das candidatas, as cores que elas usariam - vermelho, azul, amarelo, rosa - , os locais dos desfiles e as regras para apuração dos resultados do certame mirim.

Após estas definições cada grupo cuidaria da produção de sua candidata. Entre os figurinos tinham maiôs, biquínis e roupas de papel de seda e todas eram adornadas com muitas joias e bijuterias emprestadas pelos familiares e vizinhos - pulseiras, colares, anéis e brincos, quanto mais, melhor -. Todas as candidatas eram impecável e extravagantemente maquiadas - estou falando dos anos 1980, dentro do pouco conhecimento e da quase inexistente experiência na área por parte das "maquiadoras" -. Aliás, as maquiagens não se resumiam aos rostos angelicais das meninas. Algumas delas tinham batons ou brilhos (aqueles dos potinhos em formato de morango) passados nos braços, pernas e barriga, que em alguns casos eram finalizadas com pitadas de areia brilhante - glítter, mas já cheguei a ver produtora quebrar no pilão até virar pó as bolas de árvore de natal, quando eram de vidro -. É bem como dizem hoje, "Quem vê close, não vê corre".

Os desfiles quase sempre eram nas calçadas mais altas das ruas ou se colocavam mesas enfileiradas no terreiro na frente da casa escolhida, afinal as "modelos" precisavam de passarela. A música eram por conta dos toca-fitas ou dos toca-discos - incontáveis vezes desfilaram ao som de "Maria Magdalena", Canção de Sandra Cretu -. Era tudo tão ingênuo, divertido e pitoresco, que algumas candidatas no meio da passarela, para o delírio das torcidas, ainda declaravam versinhos como o famoso: 

"Batatinha quando nasce 'esparrama' (espalha a rama) pelo chão.
Menininha quando dorme põe a mão no coração.
Sou pequenininha do tamanho de um botão,
Carrego papai no bolso e mamãe no coração
O bolso furou e o papai caiu no chão.
Mamãe que é mais querida ficou no coração."

A definição da ganhadora, era como tinha sido acordado no início de tudo, poderia ser quantidade de joias, torcida, batalha de versinho, melhor desfile... enfim. Fato é que a ganhadora recebia faixa em papel crepom e coroa em cartolina, ambas decoradas com papel laminados e a felicidade de ser... quase uma Miss Mirim. Elas saiam carregadas nos colos das organizadoras, que eram maiores, comemorando as vitórias.

Várias foram as meninas - hoje mulheres - da vizinhança, ou melhor, da cidade toda, que desfilaram. Quase todas as ruas tinham disputas. Algumas colecionavam campeonatos. Minha memória falha de um quarentão "bariatricado" recorda de alguns nomes da minha rua como a Lila (hoje advogada), Élia (Advogada e ex-prefeita, embora não certeza se concorreu em algum desses Partidos específicamente, mas participou de vários desfiles), a Pepita (filha do Seu Daíca, hoje mora em SP), a Suelene (filha do Seu Zé Lino, não sei onde mora), Nenezinha filha da Chica (mora na cidade), Nalvinha filha do Santinho (Professora na região), Claudinéia filha de D. Delina (mora no Pará), Rosário da D. Hilda (não sei onde mora), Lídia (irmã da Maria do Nelton e não sei onde mora).

Clipe oficial da principal música utilizada nos desfiles dos Partidos.

Moravam ainda em nossa rua, a  Rua do Comércio, na primeira casa do lado direito, a família do Seu Nonato da Usina e de D. Irene - curiosamente a maioria dos filhos deles têm nome que começam com a letras R, igual lá em casa... - Pois bem, voltemos ao foco, os filhos desses casal sempre foram lindos. Todos! Mas, as duas meninas mais novas... Jesus Amado! Eram duas bonecas. Regiane e Rozeane, a primeira de cabelos longos cacheados e a segunda com cabelos lisos na altura dos ombros, ambas morenas como índias.  Elas eram trunfos dos grupos da rua que, eu acho, era compostos pelas irmãs Maria, Ruda, Nilza e Lila - filhas do Seu Domingos Araújo - , Eliene - filha do Chico Agulha - e das filhas do Seu Daíca (Lêda, Elda e Pepita) e, acho que, algum envolvimento da Leninha, Diana e Denise (respectivamente filhas e nora do Seu Nhozinho).

As filhas de Dona Irene, Regiane e Rozeane, eram a cara deses desfiles (me desculpem as demais candidatas, que eram lindas, mas estas eram as minha preferidas) e algumas vezes chegaram a competir entre si. Cada uma representando um grupo. E as disputas eram acirradas. Não sei qual das duas ganhou mais. Porém, podemos dizer que pr'aquela casa foram a maioria dos campeonatos. 

Muitas de nossas tardes de  domingos eram movimentadas por delícias de produções, expectativas, adrenalinas e diversões. Hoje pouca gente lembra e menos pessoas comentam de forma espontânea tais momentos. Mas, em mim ficou, não apenas na cabeça, mas, no coração. Ali comecei a me interessar por desfiles de moda e por esse universo artístico e talvez por isso também eu adore tanto a série "Pose" (Netflix,  já escrevi sobre aqui no blog).

E com o tempo crescemos, o tempos foi mudando, as diversões idem e ninguém continuou as tradicionais competições dos Partidos de Meninas. Cada um foi tomando seu rumo na vida, seguindo seu caminho. Alguns reencontros anos depois pela rodoviária, centro de São Luís, contatos por Facebook, Instagram, WhatsApp... outros nunca mais tive notícias. Com Regiane e Rozeane os reencontros eram muito esporádicos, já passaram de 10 anos do nosso último encontro, na casa da minha mãe, aqui em São Luís, w não fora combinado. E na quinta-feira passada - dia 27 de abril de 2021 - soube que, aos 46 anos, Rozeane nos deixou. Estava com uma leve gripe e faleceu vítima de uma uma morte súbita, rápida.  Mas, mesmo sem laudo conclusivo ainda precisou ser sepultada seguindo protocolo de covid, pela incerteza do momento. Sem tempo para um último reencontro e para uma despedida com os amigos ou mesmo com a familia. Sem tempo ao menos para que todos entendessem o que ocorreu e para a ficha cair. A vida se foi como um sopro em uma vela acesa.

Rozeane Pereira


Minha cabeça dividiu-se em dois pensamentos. Primeiro em como a família foi pega de surpresa e o quanto D. Irene (a mãe) deve tá arrasada - meu coração foi para onde ela e as demais filhas -. Depois, na minha cabeça, passou um filme desses momentos incríveis que permeiam minha memória afetiva desde sempre. 

E a ficha vai caindo fazendo um barulho que ecoa no coração dizendo que nos deixou  uma das "modelos", ícone dos desfiles de Partidos de Meninas da minha infância. A dona de um dos sorrisos mais lindos e meigos que já conheci.  Rozeane, que há muitos anos era evangélica, foi para a Casa do Pai.