O período das festas juninas sempre foi o que eu mais gostei na vida. Quando morava no interior, Santa Teresa do Paruá, era o período que meus pais deixavam a gente sair a noite pra curtir os arraiais, as comidas que eram vendidas e, claro, as brincadeiras que se apresentavam durante as noites. Ainda Lá, eu que ainda me dizia frequentador da Assembleia de Deus, já me divertia em Danças Afro e nas apresentações do Boi Estrela do Amor (o Tote é Gersinho do Boizinho Barrica que me deram aula de bordados e dança de Bumba-meu-boi) além das apresentações de dança que inventávamos na escola.
Quando eu vim embora para São Luís as noite de arraial foram umas das coisas que eu sabia que mais sentiria falta, até pelo fato de que, morando em casa só de estudantes - éramos 5 irmãos adolescentes sozinhos em uma casa - não se teríamos dinheiro que sobrasse para muitos passeios. Para driblar isso logo que entrava de férias eu partiria para casa de meus pais. Lá eu me sentiria livre e poderia me divertir com mais segurança e tranquilidade juntos dos meus amigos de infância. Mais tarde, como já tinha terminado o ensino médio e quando conheci Enoque eu passei a ficar mais tempo em São Luís me preparando para o vestibular e com isso tive mais tempo para conhecer as manifestações culturais maranhense mais de perto, com mais curiosidade e me apaixonei ainda mais.
Como eu já tinha "práticas" de danças e apresentações culturais eu me interessava muito em assistir algumas brincadeiras que eu só conhecia de nome e de grupos que eu já conhecia a fama. Eu amei assistir a uma apresentação do Boizinho Barrica, dos grupos de Tambor de Crioulas, Boi de Axixá, Boi de Morros, Boi de Leonardo, Boi da Fé em Deus, os batalhões dos bois da Maioba e do Maracanã. Fiquei encantado e atraído pelo sensual, divertido e provocativo Cacuriá. Aliás, o cacuriá, para quem não sabe, foi criado em 1975 em Guimarães (interior do Maranhão) por Seu Louro e Dona Florinda que inspirados no chamado Carimbó das Caixeiras, que era realizada ao final da festa do Divino Espírito Santo - após a derrubada do mastro - como forma de divertir as caixeiras do festejo sagrado com uma brincadeira profana muito divertida e alegre.
Quis o destino que o primeiro grupo de cacuriá que assistisse fosse justamente o Cacuriá de Dona Teté. Ela, que era aprendiz de Seu Lauro na arte de brincar o cacuriá, criou esse grupo em 1986 ainda lá no Casarão Laborarte - grupo que desde 1972 trabalha de forma independente maneiras de transformação social através da arte e da cultura.
Bom, o fato é que com o apoio dos componentes do Laborarte mas, principalmente, por seu jeito divertido associado às músicas irreverentes de duplos sentidos e aos passos sinuosos da dança Dona Teté fez o seu grupo se tornar no Brasil referência máxima do cacuriá, manifestação cultural exclusivamente maranhense. As roupas de renda branca fazendo base para as fitas de cetim multicoloridas se tornaram marca registrada assim como a voz estridente e inconfundível de Dona Teté.
Apresentação do (Ex) Cacuriá de Dona Teté agora com o nome de Cacuriá Balaio de Rosas.
E quando digo "com o apoio dos componentes do Laborarte" é pelo fato de os participantes desse laboratório de arte fazerem parte do corpo de dança e de percussão do grupo de cacuriá. O fato é que Teté deu alma ao Cacuriá e deu aula aos componentes do Laborarte. Teté deu vida ao Cacuriá e, depois de certa idade, deu a vida para o Cacuriá. As caixas de Teté ditaram o ritmo para cada volta que os quadris dos dançarinos passaram a dar e o ritmo da história da dança na história cultural do nosso Estado. Sua importância rendeu-lhe o título honorável de dama da cultura popular maranhense.
Até morrer a primeira vez, dia 10 de dezembro de 2011, vítima de uma AVC aos 87 anos, costumava dizer que desde que deixou de ser empregada doméstica viveu para cantar e tocar cacuriá e tinha orgulho de ensinar as pessoas - de todas as idades - a dançar, a cantar e a tocar o cacuriá. Por toda essa história - que aqui tá o resumo do resumo - desejava ser lembrada como aquela que ensinou ao povo a dança do cacuriá. E isso vinha acontecendo através do grupo que deixou montado e que, após sua passagem para o planos espiritual, foi capitaneado pela cantora, compositora e sua discípula Rosa Reis que vinha até hoje levando com louvor o legado de Teté.
Ocorre que hoje, dia 14 de junho de 2014, um dia após o dia de Santo Antônio,o cenário cultural brasileiro foi pego de surpresa e isso provocou uma onda de críticas. O famoso e tradicional Cacuriá de Dona Teté passou a se Chamar Balaio de Rosas, para - pasmem - dar protagonismo para as personagens envolvidas que se dedicam ao cacuriá. Como assim? Quem disse que para dar protagonismo a uma(s) pessoa (s) é preciso deletar outra? Se ao nome do Cacuriá de Dona Teté fossem adicionado o nome de quem assimiu a responsabilidade de levar seu legado a reação de todos seria diferente. Seria de total apoio. O que estará acontecendo por trás dessa decisão?
Em um país que não tem memória e nao respeita que faz história tirar o nome de Dona Teté do grupo que criou e da brincadeira que ajudou a fortalecer e firmar como parte da cultura maranhense e do folclore brasileiro é fadá-la ao apagamento da história, é condená-la ao esquecimento. É matar e enterrar a história de Dona Teté.
Mas, é como já cantava Teté:
"Mariquinha morreu ontem
Ontem mesmo se enterrou
Na cova de Mariquinha
Nasceu um pé de fulô
Ai minha beleza
Vamos dar um baile
No salão da Baroneza
Ai meu Deus, ai!
(...)
Vou me embora vou me embora
Aqui eu não vou ficar
Que estes meus companheiros
Tem intenção de me matar"
É com muito pesar que fica comunicamos:
Aqui jaz o cacuriá de Dona Teté.
Aqui jaz Dona Teté.
3 comentários:
Ai, RivAS, eu amo Rosa, ela é artista incrível, maravilhosa, forte e de grande representatividade no Estado, mas meu coração ficou tristinho com a troca dos nomes, não vou mentir…
Oi Rivas ! Eu tenho um carinho especial por todo esse processo do Cacuria de Tete e fui tomada de surpresa nessa decisão de Rosa Reis ,mas tenho certeza que tem " caroço nesse angu " e eu sinto muitíssimo assim como o Laboratório de tudo o que está acontecendo ...
Mas você com sua sensibilidade e amor a cultura não vai deixar morrer a história que você conhece, que lhe ronda, que chega até você, seja ela antiga ou recente. Amo ler seus textos.
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