sexta-feira, 18 de abril de 2014

LEMBRANÇAS DA PÁSCOA DE MINHA INFÂNCIA

Foto: Maria do Neuton. Fonte: Eletilce Araújo

Nesta Semana Santa não viajei e nem viajarei. Estou vivenciando uma Páscoa de reflexão e avaliação. Em casa, mas longe do que hoje parece ser normal e tradição, a troca de ovos de chocolate estimulada pela indústria e pelo comércio.  Mas, sempre ligado às mídias para acompanhar o que tem acontecido no mundo aí fora. E foi justamente em uma dessas que me deparei com uma foto postada por uma amiga e uma rede social. A foto mostra outra grande amiga ao lado de uma mesa coberta de bolos. Imediatamente embarquei uma viagem no tempo. Voltei pelo menos 25 anos.

O então Santa Teresa do Paruá era um lugarejo distante da capital maranhense e pouco conhecido. Cidade pequena onde a união, a comunhão e fraternidade dos moradores sempre foram marcas fortes. Terra de pessoas preocupadas com a educação de seus filhos, ligados a religiosidade, respeito mútuo, bom humor, gratidão e hospitalidade mesmo que a vida fosse difícil. Distante do consumismo induzido pelas indústrias através das grandes mídias. Afinal, ali, quase a totalidade das pessoas só assistia televisão entre as 18 e 22 horas, tempo em que o gerador de energia, do amigo João José, ficava ligado. Mas, como era particular nem todos tinham energia elétrica e aparelho televisor em suas casas por falta de condições financeiras. Eram épocas em que as casas onde tinham o transmissor ficavam lotadas de amigos e vizinhos, em especial dia de bons filmes, jogos e final de novelas. Tempos bons e de proximidade de um bando de críticos e comentaristas natos.

Nessa época as escolas, públicas e comunitárias, trabalhavam de forma mais intensa o significado do período pascal,  da morte e ressurreição de Cristo. Na semana anterior eram sempre lidos e debatidos versículos da Bíblia Sagrada, passagens importantes da vida do Filho de Deus. Eram momentos onde cantávamos músicas das igrejas católicas e protestantes em comunhão por um só Pai Celestial. “Como são belos os pés do mensageiro que anuncia a paz. Como são belos os pés do mensageiro que anuncia o Senhor” e “Me chamaste para caminhar na vida contigo, decidi para sempre seguir-te, não voltar atrás. Me puseste um brasa no peito e uma flecha na alma , é difícil agora viver sem lembrar-me de ti. Te amarei Senhor, Te amarei Senhor eu só encontro a paz e a alegria bem perto de ti” são trechos de duas das canções que mais me emocionam, pois me lembram as cerimônias de lava pés que  nós, alunos, organizávamos em nossas salas. Eram mais que simples representação de uma passagem bíblica. Eram aulas práticas de humildades, de igualdade e fraternidade.
Cada um dos alunos levava um elemento importante para a ocasião tais como o peixe frito – que não era bacalhau e sim peixe de água doce da região -, pão, suco de uva tomando lugar do vinho, a taça, a bacia, toalha de mesa, a tolha para secar os pés, as palhas de palmeirinhas para decorar a sala junto com o papel higiênico que jogadas sobre os caibros e tesouras do telhado viravam parte da decoração... Este último foi ensinado pelo querido Professor Ir. Reinaldo Oliveira. Era tudo ingênuo, mas lindo e emocionante. Lindo!
Por perto sempre tínhamos a ajuda e o apoio dos professores e, principalmente, das senhoras que cuidavam da cantina como Dona Luzia do Bebé, Dona Deusa e Dona Maria Juca. Dentro desse contexto foram meus professores de sentimento pascal, além das matérias tradicionais, Dona Mariazinha, Diquinha, Angelita, Domingas, Eunice, Coimbra, Francisco Magalhães, Dolores, Brígida, Carlos, Verônica, Edinéia, Telma, Edna,  e os irmãos La Salle Odyllo, Dionísio, Renato, João Angelo, Jardelino, Rosalino, Curru e tantos outros que tiveram passagens mais rápidas, mas não menos importante.
Paralelo ao que aprendia na escola em casa aprendia que era tempo de reflexão e principalmente de união e fraternidade. Todo ano vinha de Belém Dona Francisquinha, uma avó postiça, com eu neto, meu amigo Santídio, primo de consideração, que junto aos seus e meus primos, além de outros amigos de nossa rua fazíamos a semana se tornar período de férias. Era tempo de alegria, diversão, passeio, banhos de açude e muita comida.
Recordo dos nossos passeios no terreno do Soares e da Netinha, de onde trazíamos muito milho e macaxeira. E o que não vinha de lá nós sempre comprávamos como tapioca, arroz e massa puba. Era preciso pilar arroz e babaçu no pilão e ralar coco seco e o milho nos raladores feitos de lata de óleo perfurados com pregos e presos em pedaços de tábuas.
Minha mãe, Terezinha, Dona Francisquinha, Nete, Netinha, Maria do Neuton, Maria de Santinho, Chica, Francisca, Delina Todas em suas cozinhas preparando bolo de macaxeira, bolo de puba, bolo de milho, bolo de tapioca torrada, bolinho frito de tapioca fina, pamonhas, canjicas e mingau de milho. Era tanta comida que dava para passar a semana inteira comendo. E, embora todas fizessem os mesmo pratos, havia a troca dos pratos. Eu adorava provar as variações de receitas feitas por todas elas. Para acompanhar os sucos de acerola, de cupuaçu, bacuri, laranja, manga, café, leite de vaca – minha predileção - ou café com leite.

Em casa não tínhamos quase nada de chocolate, salvo alguns bombons garoto, o nescau nosso de cada dia e, muito raramente, os ovos de páscoa chegavam até nós, pois nem sempre meus irmãos iram passar este período conosco. Entretanto, nossa páscoa era feliz e com os frutos dessa terra que tudo dar. Não tive a páscoa que meus amigos da capital tiveram, com os muitos ovos, camarão, caranguejo e bacalhau, mas garanto que tive ricas páscoas. Com ricos ensinamentos, lições e exemplos práticos eu cresci e tudo isso  são parte da base para continuar tentando acertar nas minhas atitudes e ações. E toda esta viagem é por conta da foto que minha amiga Eletilce postou de nossa amiga Maria do Neuton.

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