terça-feira, 19 de agosto de 2025

CATIRINA COSTURANDO TALENTOS

 Por Rivanio Almeida Santos 

Foto: Rivanio Almeida Santos

No último dia 15 fomos – Enoque e eu – ao Teatro João do Vale assistir à peça "CATIRINA - uma viagem pelo folclore e contos de fadas" realizada pela Sítio Produções.

A peça é uma comédia musical em que o enredo conta a história de Carolina, empregada da Fazenda do Sr. Agripino, Dona Calota e suas filhas – Catiroba e Catispera.

Fotos: Rivanio Almeida Santos

No enredo é uma tradição da fazenda a realização de uma festa para o boi malhado, o mais formoso da fazenda. Para a tal festa, uma Catirina é eleita anualmente e, claro, como é de se esperar dentro da trama, Carolina é escolhida - com a participação da plateia - para ser a Catirina. Até chegar a esta escolha, há vários acontecimentos inspirados nos contos de fadas "Chapeuzinho Vermelho" e "A Gata Borralheira", e aí está o corpo e o grande lance do espetáculo.


Fotos: Rivanio Almeida Santos

Na encenação, o espectador pode contar com as participações especiais de Nato Silva, Brincantes do Bumba meu boi Revelação de São Marçal, Genilson Cantanhede e Tatiana Cantanhede. O público ainda foi agraciado com o já conhecido talento da atuação de Rafael Santos, leia-se a brilhante Adrianne Bombom (Carolina) – que é belíssima na versão principal na cor rosa, mas, na peça, na minha humilde opinião, se apresenta na sua melhor versão: uma surpreendente boneca negra, lindíssima! #PorMaisBombomNegra –, além de Mariel Dutra (texto, direção e atuação como Agripino), Júlio Fernandes (Chico), Rubem Amorim (Carlota), Mariel Dutra (Agripino), Jandira Aguiar (Fada), Tainara Ribeiro (Catiroba), Thereza Araújo (Catispera), Nikima El Mago (Cazumbá), Dieguinho (Miolo do Boi).

Foi sensacional ver o trabalho de tantos artistas profissionais das artes cênicas ludovicense que já têm um relativo repertório teatral. Contudo, não desmerecenco o trabalho e a entrega dos demais, a grande e grata surpresa ficou por conta do Alberto Filho, nosso Betinho Silva. Ele que, na vida real, não é ator, é sim um estilista e costureiro de sucesso – sempre apoio e referência à comunidade LGBTQIAPN+ desde antes da sigla ser GLS. 


Fotos: Rivanio Almeida Santos

Na peça, Betinho interpretou um lobo mau que se disfarçava de estilista e depois surge de fada. Apesar de ter no seu currículo pontuais participações como figurante em outros shows teatrais da Sítio Produções, dessa vez ganhou um personagem que, mesmo com rápida exposição cênica, teve texto e entregou encenação, dicção, clareza na voz, autenticidade e mostrou domínio de corpo. Betinho presenteou o público com muito humor e uma presença de palco que surpreendeu a todos, inclusive ao artista plástico e ator Miguel Veiga, que se emocionou ao perceber ali a superação que a arte promove na vida de Betinho, pois este tem tido momentos de fragilidade dadas às consequentes complicações da diabetes.


Fotos: Rivanio Almeida Santos

A Sítio Produções sempre atua e proporciona visibilidade aos talentos da comunidade LGBTQIAPN+. Com "CATIRINA - uma viagem pelo folclore e contos de fadas", mirou novamente nas causas da Comunidade #diversidade sexual e de gênero através da cultura e com humor no que foi o seu melhor espetáculo. E desta vez a Sítio bateu a meta e superou acertando no triunfo da arte sobre as dificuldades que a vida apresenta a um dos ícones da população gay maranhense. 

Foi surpreendente, lindo, educativo, divertido e emocionante.

Vivas! Bravo!!! Bravo!!!

domingo, 10 de agosto de 2025

A MULHER QUE PLANTOU EDUCAÇÃO E COLHEU GRANDE LEGADO

 

Maria do Carmo da Silva Lima (Professora Mariazinha)

Sendo amanhã, 11 de agosto, o dia do estudante e o meu aniversário acho oportuno compartilhar o que aconteceu estas últimas semanas. Leia e entenda as razões para esta crônica e a importância dessas minhas lembranças para mim e tantas outras pessoas que igualmente foram alcançadas e abençoadas pelo dom e disposição da figura central dessa homenagem que faço em forma de texto àquela que me iniciou no mundo das letras.


Semanas atrás recebi um convite de uma amiga querida lá de Santa Teresa do Paruá convidando a mim e minha família a um evento que me deixou tremendamente feliz e triste ao mesmo tempo. Mas, a vida é tão boa que, na sequência, me deu oportunidade de alguma me fazer presente.

Vereador Filipe Teodoro entregando o título de Cidadã Honorária à Professora Mariazinha.

A pessoa que me mandou o convite foi Raquel Lima, filha de Quelé e Professora Mariazinha. O convite era para uma sessão solene na Câmara Municipal de nossa cidade. Receber este convite me deixou muito feliz pela lembrança e, principalmente, pela razão da cerimônia especial. Sua mãe, minha professora do pré-escolar, através de uma proposta do vereador Felipe Teodoro, receberia o título de Cidadã Honorária de Presidente Médici (MA). Quem não sabe nossa história — e talvez até quem conheça — não tem a menor ideia do quanto fiquei feliz com a iniciativa do Felipe — que vi ainda criança — e da aprovação do plenário da Câmara local. Não havia nenhuma razão para um voto contrário que fosse.


A única questão que me incomodou, ou melhor, que me fez lamentar foi o fato de não poder estar presente pessoalmente. Contudo, dias depois, minha amiga Graciélia entrou em contato perguntando se eu poderia assumir a missão de fazer um vídeo com depoimentos de ex-alunos parabenizando nossa mestra pela conquista. O tempo deveria ser bem reduzido para cada pessoa. Em dezenas de segundos não cabem dezenas de razões para o tamanho de nossa gratidão e contentamento pelos feitos dessa pessoa.


Para o leitor entender a razão da emoção por conta desse momento, é bom que se diga mais sobre a Professora Mariazinha.


Desde que me conheci por gente, já a conheci sendo professora do pré-escolar do Colégio Santa Teresa. Quase todos meus irmãos também foram seus alunos, pelo menos nós - Rivaldo, Riberio, Rogenita, Rogenia e eu, os cinco últimos filhos de mamãe - formos. 


Sr. Manuel Silva,  pai da Professora Mariazinha, durante a construção do Colégio Santa Teresa.

Recordo perfeitamente de minha ansiedade em ir para o jardim, pois ouvi minha mãe a dizer em umaconversando com uma vizinha: "Breve ele começa o jardim". Bastou para, dias depois, passando de bicicleta com meu irmão Riberio pela frente do prédio do prezinho, uma casa feita de madeira pintada de azul beeeeem clarinho, mais claro que azul-bebê. Na frente do prédio tinha vários pés de zínia - nas cores vermelha, amarela e rosa -. Quando cheguei em casa, eu já fui dizendo pra minha mãe que eu já podia começar a estudar, pois o colégio já tinha jardim. Ela caiu na gargalhada, pois não era esse o jardim a que ela se referia. Precisei esperar agosto, para completar cinco anos de idade para então minha matrícula ser aceita. Foi o que aconteceu. Estamos novamente em agosto e isso faz 41 anos que começou.


Quando enfim fui para o tão esperado jardim, lembro muito bem, minha mãe levou-me à porta da sala e a professora veio me receber na porta, me direcionou à minha carteira e me apresentou a meus novos coleguinhas. E já na apresentação, meu primeiro aprendizado: quando ela me perguntou qual o nome do meu pai e da minha mãe, eu respondi puramente "pai", "mãe", como eu chamava em casa e como ouvia meus irmãos chamá-los também. Ela, cheia de delicadeza, foi me explicar que pai e mãe é como a gente chama nossos pais quando precisamos falar com eles e que os nomes dos meus pais eram Raimundo Juruca e Dona Terezinha.

Paulo Roberto, Raquel, Clemilton- Quelé -, Professora Mariazinha e Paulo.

A aula seguiu e fui sendo encantado pelas artes mágicas do giz branco e dos gizes coloridos na lousa de duratex pintada de verde. Eram zigue-zague, onda quadrada, bolinhas, triângulos, fileiras de A de amor, E de escola, I de igreja, O de ovo e U de uva. Era desenhar gato com um círculo grande (barriga) e círculo pequeno (cabeça) e a voltinha embaixo pra ser o rabo... Eram desenhos mimeografados para colorir... Mônica, Chico Bento, Pica-pau, coelhinho da Páscoa, rosto de indígenas, velas de Natal... músicas escolares infantis na chegada, na hora do lanche e na despedida (Peixe Vivo, Sapo Cururu, Escravo de Jó, Marcha Soldado, Ciranda Cirandinha, Meu Lanchinho, Se Essa Rua Fosse Minha...). Maaaas, eu confesso, adorava mesmo era que a cantina era logo atrás da sala e nós tínhamos prioridade no atendimento (no primeiro dia, Dona Luzia do Bebé me serviu um copo de mingau de flocos de milho e ainda deixou eu repetir). Até hoje sinto saudades da merenda que ainda tinham no cardápio arroz com.carne de jabá, faroza de sardinha, chocolate quente ou suco com biscoito. 


Quando mudei de série, eu sempre dava um jeito de ir ver minha querida professora. Quando passava na frente de sua casa, sempre dei um jeito de encostar pra cumprimentar e, todas as vezes que voltei a Santa Teresa do Paruá, sempre busquei dar um abraço e, se não era possível, pelo menos saber notícias.

Professora Mariazinha e seu pai, Manuel Silva

Além das memórias escolares, jamais posso deixar de citar outro talento seu: o dom para os lanches mais gostosos da cidade. Que me desculpem as demais mães empreendedoras, não quero diminuir ninguém, mas a Professora Mariazinha tinha — deve ter ainda — o dom da mão certa na medida do tempero, na medida do açúcar, do leite. Tô falando de uma época que pais preocupados com o futuro dos filhos davam-lhes estudo escolar e doméstico para os deveres de casa, mas lhe davam também ensino pra vida através de pequenos trabalhos que ajudavam na economia familiar sem lhes podar o tempo de diversão. 


No caso específico da Professora Mariazinha e seu esposo, Quelé (Clemilton), seus filhos eram estimulados ao estudo e à diversão, mas — em especial os meninos — ajudavam com as vendas dos dindins — abacate, coco, maracujá, uva e morango —, pastéis, cartuchos e pães cheios. Nos 15 minutos que tínhamos de intervalo, eram os mais procurados! Aliás, fora eles tinham os meninos que vendiam pirulito de maracujá, cocada de coco queimado, bolos de arroz fritos, por exemplo. Bom demais!!!

Professora Mariazinha ao centro ladeada pelo Diretor Ir. Odyllo, colegas da escola e uma turma de alunos.

Recordo que no período da pandemia quando fiz uma exposição virtual para mostrar a história de fundação e construção do nosso saudoso Colégio Santa Teresa. Na ocasião, contei com ajuda de duas professoras maravilhosas que amo de paixão e tenho uma carrada de carinho, respeito e admiração, Roberta Kelly e Andréa Fernandes, que foram alunas de Mariazinha também. Na dissertação do mestrado da Andréa, tem um trecho de um depoimento da nossa professora acerca da construção do Colégio e sobre o envolvimento, aliás, mais que isso, da contribuição efetiva de seu pai, Manoel Silva: "Tem gente que criticava. Dizia que era só uma besteira. Porque meu pai trabalhava e o pessoal dizia assim: 'Agora, Mané Silva, como é que tu vai dar o que comer pra tua família, se tu vai trabalhar o tempo todo no Colégio Santa Teresa?', ele falava: 'Eu trabalho o dia no meu serviço e, de noite, eu vou pra lá'. E assim ele trabalhava. (...) De noite ele fazia aqueles aterros, ia quebrar pedra, era tudo uma festa, uma diversão pro povo". Essa fala mostra que, por mais difíceis que fossem as condições e o cotidiano também daquele pai, ele não só sonhava em oportunizar uma vida diferente a sua filha, como ele deu seu suor para construir esse sonho e deu a todos seus filhos possibilidades de buscar vida melhor que a sua. Seus filhos puderam, então, sonhar com vidas melhores para seus filhos, netos de seu Manuel... e assim foi e é. A menina Mariazinha tornou-se professora e ajudou dezenas de famílias a sonharem e centenas de crianças a se encaminharem na vida em destinos diferentes e inimagináveis. E, apesar dos caminhos diferentes que todos tomaram, pode-se afirmar que quem sabe ler e escrever pode até se perder no meio do caminho, mas nunca por falta absoluta de informações. Quem sabe ler e escrever pode até ser que não saiba para onde está indo, mas sabe onde está e, talvez, até possa mudar de rota. E no caso de Santa Teresa do Paruá, isso muito graças à Professora Mariazinha, que viveu o próprio sonho e ajudou tantos outros a sonharem. Graças a ela, que lançou luz nos nossos olhos através da leitura e da escrita de forma a nos fazer enxergar por onde estamos andando, rumo até onde quisermos e pudermos ir.

Depoimentos de amigos e ex-alunos 


Muito obrigado, Professora Mariazinha!




domingo, 8 de junho de 2025

FESTA JUNINA FEITA COM O SUOR DE NOSSA FELICIDADE

"Ontem eu sonhei que estava em Moscou. 
Dançando pagode russo na boate Cossacou
Ontem eu sonhei que estava em Moscou
Dançando pagode russo na boate Cossacou".
PAGODE RUSSO
(Gonzagão)

Arraial do IPEM, São Luís
Foto: Rivanio Almeida Santos 

Estamos em junho de 2025 e começou o São João. Para a maioria dos nordestinos, inclusive dos maranhenses, estamos na melhor época do ano. Concordo em gênero, número e grau! Arraiais grandes, decorações planejadas, grandes esculturas, palcos exclusivos para apresentações de brincadeiras, palcos separados para shows, luzes cenográficas especiais, barracas grandes com assinatura de grandes restaurantes, espaços para pequenos empreendedores, sempre lá nos fundos um espaço para dançar forró pé de serra, parquinho infantis de brinquedos infláveis, cenários para fotos... Caracas, dá frio na barriga e fico arrepiado de pensar na sensação que é chegar em um arraial. Tudo lindo!!! Tudo muito lindo, organizado como cenários para gravações de programas especiais da Globo. Como dizem... Hoje tudo é Instagramável! 


O mundo mudou, cresceu e nossas vidas seguiu o rumo que agora acompanha o ritmo da tecnologia que avançou, cresceu, democratizou e segue "influencer-ando" a vida de todos. Mudou até mesmo quem tem no DNA a cultura junina, das promessas, do pagamento de promessas, das brincadeiras populares, das produções artesanais e da satisfação pessoal de ter no currículo vital (da vida) e na biografia afetiva a honra de ter ajudado de fato nas produções das genuínas festas juninas que deram origens aos espetáculos que vemos hoje.


"Ê boi, êi boi

Ê boi do Ceará } bis

Muié segura o menino

Que eu agora vou dançá

Que eu agora vou dançá } bis

Que eu agora vou dançá"

BOI BUMBÁ

(Gonzagão)


Em um domingo como esse de junho a saudade de casa aumenta. E quando falo de casa me refiro ao casa dos meus amados pais, Terezinha e Raimundo Juruca, lá em Santa Teresa do Paruá de onde vim embora em 1995. Mas, até lá eu vivi de fato na prática a construção do São João Nordestino. Lá em casa papai já começava os domingos pondo suas fitas cassete "democráticas" - alguns cismam em chamar nossa única opção de acesso musical no interiores nordestinos dos idos dos anos 1990 de Fitas Piratas... kkkkkkkk deixe ele com suas formas de amenizar sua culpa na manutenção do crime de pirataria kkkkk -. Papai também punha seus LPs - originais, tá?! - e dá-lhe nosso Gonzagão no 3 em 1 da sala nas alturas (eu aumentava o volume sempre). No LP tinha no Lado A as musicas: 1. Sangue de Nordestino, 2. Seu Januário (O Maior Tocado) / São João na Roça / Olha Pro Céu (pot‑pourri), 3. Baião / Algodão / No Ceará Não Tem Disso Não, 4. O Cheiro da Carolina / Cintura Fina / O Xote das Meninas e 5. Acauã. Já no Lado B eram premiados com audições de: 1. Corrida de Mourão (Canção de Vaquejada), 2. Súplica Cearense, 3. Cigarro de Paia / Boiadeiro, 4. Vaca Estrela e Boi Fubá e 5. Feira de Gado. Nesse momento estou ouvindo pelo Spotify - antes que deduzem que de forma pirata... eu fiz assinatura, tá?!).

Capa do LP Luiz Gonzaga e Fagner. Presente de Rogener Almeida Santos a sua família.
Foto: Rivanio Almeida Santos 

Em nosso repertório familiar dominical Gonzagão era uma das alternativas que aumentava a intensidade em junho. Já no Colégio tudo começava mais ou menos em abril quando davam início as formações das principais brincadeiras - quadrilhas para as turmas do ginásio e é demais brincadeiras às demais turmas. Os ensaios normalmente eram nas salas do Centro Comunitário e, às vezes, no pátio do próprio Colégio Santa Teresa (aliás, no que terá dado a história...? Humhum... deixa pra lá. Isso não é hora de fugir ao tema). 


"No lume da fogueira, numa noite de forró

Pé e chão, chão e pó

Se amam como estrelas no azul no arrebol

Paixão acesa como a luz do sol"

NO LUME DA FOGUEIRA

(Chiclete com Banana)


Todas as turmas do colégio eram envolvidas de alguma forma. Até pelo fato de as aulas de Educação Artística serem direcionadas para ensinar-nos a produção de balões juninos (sem fogo), bandeirinhas, correntes, bonecas de pano, bonecas e bonecos de abanos de palha, bois de cofo, aros de fitas... tudo feito de jornais, páginas de revistas, plásticos do fumo coringa e até papel de seda. Os resultados eram sacos e sacos de artenatos feitos para obtenção de notas e que seriam usados efetivamente para decorações do arraial quando este ficasse pronto.


Para a montagem do arraial em si, o colégio já tinha prontos umas grades de contenção em madeiras e ripas. Tudo pintadinho com cal branco. Com tantas grades a formação da arena de apresentações ficava em forma de um polígono - não sei precisar qual tipo, por não recordar a quantidade de faces da arena. A partir da quarta ou quinta série as turmas podiam ter barracas mas, a construção delas era de responsabilidade de cada turma. E mais uma vez todos eram envolvidos novamente em mais um trabalho grupal coordenado por algum professor. Era mais que um trabalho escolar. Era uma oportunidade de sair da rotina de estudo da sala de aula. Era aprender a ter responsabilidade de adulto na prática. Era bom.... mais que isso... era divertido e gostoso viver aquilo. No dia e na hora marcados nos reuníamos nos bancos de madeira sob as amendoeiras da frente do colégio para nossa grande aventura de subir o morro por trás das casas do Alto do Congresso. Para isso pagávamos a Rua do Congresso, quase até o fim e subíamos a rua da casa do Irmao Bernardo (Véi da Carroça) até chegarmos às veredas que davam acesso ao morro onde ficavam os pés de coco babaçu de onde extrairíamos os olhos de palha usados para cobrirmos as barracas já estruturadas com estacas levadas de nossos quintais. Bom, com os olhos de palhas suficientes para finalizar as barracas, fazíamos o caminho de volta. Cada um puxava pelo menos três ou quatro olhos de palha. Seguíamos fofocando, cantando, brincando, gritando, sorrindo... felizes! Na chegada ao local da montagem do arraial começávamos estalar as palhas, abrindo-as e deixando no ponto de depois amarrarmo-as nas estacas tapando paredes e teto. Para depois tudo pronto então decorarmos com nossas próprias produções artesanais. Isso tudo demorava dois ou três dias de diversão.


"Tomei Caldo de Mocotó aí, ó. 

Fiquei forte

Tomei Caldo de Mocotó aí, ó. 

"No lume da fogueira, numa noite de forró

Pé e chão, chão e pó

Se amam como estrelas no azul no arrebol

Paixão acesa como a luz do sol"

NO LUME DA FOGUEIRA 

(Chiclete com Banana)


Tudo pronto... era hora da organização da funciolidade prática das barracas durante as noite de festa. Quem podia produzir alimentos para vendas, produzia com ajuda da família e quem não podia ajudava na venda e uma escala era feita. Eu geralmente levava bolo de milho (minha irmã Rogenia sempre fez os melhores desse mundo) e por vezes levei espetinho de carne para serem assados na hora (a carne meu pai comprava no mercado, minha mãe temperava e eu fazia os palitos dos espetos com pedaços das cercas do quintal... eu quebrava os talos possíveis e afinava e fazia as pontas de cada um deles com faca. Tinha sempre quem fazia sucos, batidas e caipinhas e ainda juntávamos dinheiro para compra de bebidas para serem revendidas em um cardápio que tinha mingau de milho, canjica, pamonha, farofa, pipoca, salgados e salgadinhos. Éramos crianças com sonhos de sermos gente grande na execução das demandas. Tudo era uma grande e divertida brincadeira séria que serviria para juntar grana para aquisição de insumos que dariam produções em nossas hortas e para investirmos na nossa festa de formatura da oitava série. Como incentivo as barracas das séries mais avançadas ficavam na entrada do arraial.

Simulação de como eram os arraiais do Colégio Santa Teresa nos anos 1990. Montagem: ChatGPT

Engana-se quem nossas barracas não eram limitadas a comidas e bebidas, não!!! Além disso, tínhamos possibilidade de jogos como a pescaria - peixinhos de papelão numerados presos em linhas de crochê, enfiados em uma caixa com palha de casca de arroz e que ao serem puxados revelavam um número contido em um tabuleiro com o prêmio do cliente pagante -, a barba do velho - painel com um preto velho pintado e que na barba tinha vários fios de nylon onde o pagante escolhia um para puxar e que levantava uma plaquinha de cima revelando o número do seu prêmio - e o tabuleiro da Nega Fulô - um painel com um desenho de uma mulher negra com seus grossos lábios abertos onde se jogava uma bola. Quem acertasse receberia o prêmio. Hoje revisitando esse momento vejo e entendo como sendo esta uma brincadeira racista, embora a intenção não fosse propriamente ofender ou machucar alguém de alguma forma. Não tínhamos àquela ocasião o conhecimento de que expor características de uma povo de uma forma pejorativa é um abuso. Hoje com tantas informações e debates sobre preconceitos individuais direcionados e preconceitos estruturais não cabe mais este tipo de brincadeiras.


"Não posso respirar, não posso mais nadar

a terra está morrendo não dá mais pra plantar

se plantar não nasce, se nascer não dá

até pinga da boa é difícil de encontrar".

XOTE ECOLÓGICO

(Gonzagão)


E as apresentações? A discotecagem, as locuções do arraial e até os gritos das quadrilhas principais da escola eram comandados pelo Irmão Reinaldo, Professor Coimbra ou pelo, hoje Irmão, Curru. Dentre a trilha sonora tínhamos músicas do LP "Luiz Gonzaga - Quadrilhas e Marchinhas Juninas", todas instrumentais e também tínhamos o privilégio de ouvirmos Elba Ramalho, Dominguinhos, Trio Nordestino, Genival Lacerda, Fagner e até Chiclete com Banana cantando quadrilha. E nem só de quadrilha se faziam a programação de apresentações dos nossos arraiais... além disso, tínhamos pau de fitas, concursos de Rainha Caipira (dentre as que concorreram eu lembro da Élia do Amâncio, Leda do Seu Daíca, Elma e Leninha do Rosa do Edmilson, da Lila do Domingos Araújo, da minha irmã Rogenia e acho que a Nara do João José), concursos de danças, apresentações de danças sem concorrer - inclusive durante vários anos teve uma coreografia da música "Negritude" do Padre Zezinho (Negritude é luz de Deus / Negritude é imensidão / Negritude é uma promessa de amanhã / Branco e negro / E amarelo e vermelho / É o mesmo jeito / De o Senhor mostrar a sua luz) e uma vez me apresentei em uma coreografia para a música "Feira de Acari", um funk que foi hit da novela Barriga de Aluguel. Tudo era mágico demais!!


"Quando eu me lembro

Da minha bela mocidade

Eu tinha tudo a vontade

Brincando no boi de Axixá"

BELA MOCIDADE 

Bumba Meu Boi de Axixá


Não posso deixar de citar que ainda tivemos apresentações do Boi Estrela do Amor - Ednaldo Costa nosso amigo Mirim - e do Grupo de Dança Afro, criados pelo Grupo Chama, Grupo de alunos e ex-alunos do Colégio Santa Teresa de Santa Teresa do Paruá (ainda vou escrever sobre a história e a importância desse grupo). Para criação dessas duas brincadeiras tivemos aula com instrutores do Boizinho Barrica (Tote e Gersinho) e do CCN-Centro de Cultura Negra (não recorso os nomes dos instrutores). Como eu só tinha participado da apresentação de "Feira de Acari" em arraiais... por questões religiosas (eu era da Assembleia de Deus, com o tempo Graças da Deus me desviei) eu nunca briquei em uma quadrilha, como sempre sonhei. Então eu tive nessas duas experiências - boi e afro - momentos mágicos de encontro com batidas de tambores que sempre mexeram comigo... Uma sensação de se achar com os sons do tambor onça, pandeirões, afoxé e do agogô... não como percussionista, mas na dança. Além do arraial do colégio, recordo que ainda tivemos apresentação no povoado Buritirana. Foi minha quase uma turnê! 

Simulação por IA dos jogos Barba do Velho e Pescaria. Montagem: ChatGPT 

Toda essa experiência vivida até meus 15 anos foram suficientes para formar minha paixão pelo que há de mais genuíno na alma nordestina. Mas, somente quando cheguei à São Luís, 1995, pude ter oportunidade de conhecer outras representações culturais maranhenses propriamente ditas como Cacuriá, Coco, Lelê, Tambor de Crioulas e todos os sotaques de bumba-meu-boi... e onde eu descobri que ancestralidade é a raiz que fez brotar a árvore que nos sustentou até que pudéssemos dar frutos.


"Vem, morena, pros meus braços

Vem, morena, vem dançar

Quero ver tu requebrando

Quero ver tu requebrar

Quero ver tu remexendo

Resfulego da sanfona

Inté que o sol raiar

Quero ver tu remexendo

Resfulego da sanfona

inté que o sol raiar"

VEM MORENA 

Luiz Gonzaga


Nestes 30 anos acompanhando os arraiais e boa parte das festividades culturais de São Luís vi muita evolução nos formatos, estruturas, nas quantidades de componentes, estudos, pesquisas acadêmicas, divulgações, aumento de públicos, emprego de tecnologias, shows pirotécnicos e até o uso das redes sociais como forma de chegar e alcançar a novos espectadores. 


Quando paro para olhar tudo que vivenciamos até aqui com todas as inovações que foram incorporadas às brincadeiras folclóricas e aos festejos juninos chego a conclusão que dependendo da forma da introdução e de uso destas alterações até valeu à pena. Embora ainda fique até receoso pelo medo de perderem a mão e acredite que respeitando a moderação necessária até são válidas desde que não se perca a essência e o propósito de suas criações pelos ancestrais de cada segmento cultural e de cada brincadeira. Não se pode deixar de lado a ingenuidade, a doçura do período e nem se pode abrir mão da possibilidade de criação e da realização do trabalho coletivo... sem esses ingredientes jamais as gerações poderão sentir a verdadeira essência junina que faz nossos corações ficarem quentinhos para baterem no compasso das zabumbas e dos pandeirões, que são aquecidos e afinados pelo calor das fogueiras feitas em pagamento de promessas a Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal.




sábado, 19 de abril de 2025

A RELAÇÃO ENTRE O SÁBADO DE ALELUIA E O DIA DOS POVOS INDÍGENAS

Por: Rivanio Almeida Santos 

Procissão chegando ao Centro Comunitário de Santa Teresa do Paruá, década de 1980.

Hoje é Sábado de Aleluia, dia dos Povos Indígenas e o dia começou comigo vendo uma postagem do querido amigo Ir. Reinaldo. Ele é um irmão da congregação Lassalista, muito importante à formação educacional de boa parte da classe estudantil de Santa Teresa do Paruá a partir dos anos 1980.


Os irmãos, como sempre chamados, até por serem de uma congregação católica foram fundamentais também no fortalecimento da Fé dos alunos, e da comunidade católica da cidade. E, mesmo sendo católicos, sempre respeitaram os alunos que eram de outras religiões. Eu, por exemplo, era da Assembleia de Deus. Esse respeito às pessoas independente de religião, cor, etnia, condições sociais e econômicas foram das coisas mais lindas que plantaram em nossos corações. Eles reforçaram o sentido de comunidade e comunhão que nossos pais tinham nos ensinados com ajuda do Pe. Diniz e o casal de Professores Aécio e Eliane com a construção do Colégio.


Nas lembranças das provas da prática da comunhão e respeito ao próximo, fora as práticas do cotidiano, sempre passa pela Páscoa. Nós éramos estimulados a pensar, discutir os temas e escrever, fazendo frases e redações para expressarmos o nosso entendimento à cerca dos temas de cada momento. Nesse contexto escrevíamos nossas concepções que sempre eram escolhidos para serem datilografado e mimiografados para que diariamente fossem lidos pelos alunos e assim fontes de reflexões em sala de aula antes de começarmos as aulas. Isso nos fez termos opiniões e buscar os argumentos que sustentam nossos pontos de vista, para que não ficássemos alienados. 


Fora essas reflexões que aconteciam o ano todo, inclusive na Páscoa, a gente refletia sobre passagens da bíblia que falam da passagem de Cristo sobre a terra e todos feitos que fizeram dele o Nosso Salvador.  


Àquela época não tínhamos tanta proximidades com o sentindo comercial que transformaram a Páscoa. Para nós era simples e puramente a Semana Santa! Crescemos com este sentido da Palavra Divina na escola e os cuidados domésticos passados por nossos familiares ancestrais. Lá em casa nem tanto, pois Seu Juruca e Dona Terezinha - meus pais - não criam quanto algumas práticas e crendices, achavam ser apenas superstições. Acreditando ou não nos efeitos destas práticas - isso não é o importante agora - sou do tempo que para muitos chefes de famílias não se podia varrer a casa, comer carne vermelha, pentear os cabelos, discutir, brigar, ouvir música, sorrir alto, contar piadas... era um período para se viver o luto pela morte de Cristo. E, apesar de em casa haver o entendimento de se tratar de superstições, eu sempre achei curioso e tinha respeito às crenças de todos. Aprendi que se para alguém era importante tais práticas, então era válido. 


Se estas práticas dividiam opinião entre as pessoas outras duas coisas as uniam... uma era a produção de diversas comidas diferentes naquele período - principalmente bolos de macaxeira, puba, tapioca e milho, alémde canjica e pamonhas - e a outra coisa que todos concordavam era a necessidade de respeitar a história, a vida e a morte do Redentor. Prova disso eram os eventos e celebrações a cada dia que representava uma passagem de Jesus rumo ao seu calvário, crucificação e ressurreição. 

Procissão subindo a ladeira do Alto do Congresso, década de 1990.

Recordo perfeitamente que nesse período tinha sempre procissão que se concentrava na beira da pistada BR-316 e seguia rumo ao centro comunitário e a Igreja de Santa Terezinha. A procissão de Domingo de Ramos e a da Sexta-feira Santa sempre foram as mais linda e emocionantes.


No Colégio tínhamos ainda a realização da cerimônia de Lava-pés. Cada turma realizava a sua. E era tudo em forma de colaboração. Cada aluno ficava responsável por colaborar com o que pudesse... toada de mesa, bacia, toalha, pães, suco de uva, vinho, peixes fritos - quase sempre era empanado com pó de farinha de puba, a melhor forma de fritar peixe -. E sempre após às leituras e reflexões sobre o Evangelho de João (13:1-17) quando Jesus lava os pés de seus discípulos durante a Última Ceia, demonstrando humildade e servidão, éramos instigandos e convidados a seguir seu exemplo lavando os pés de nossos colegas de sala. Essa prática ajudava a mantermos os pés, a alma e o ego - pré e - adolescente no chão, além do respeito ao próximo e as amizades mais fortalecidos.


Como a Semana Santa varia sempre entre os dias 22 de março e 25 de abril, e por hoje ser Sábado de Aleluia e Dia dos Povos Indígenais - nos ultimos 44 anos é apenas a quarta vez que o dia 19 de abril cai entre o Domingo de Ramos e o Domingo de Páscoa - quero registrar aqui como foram esses nossos dias dos Povos Indígenas. 


Naqueles anos o dia era conhecido apenas como o Dia do Índio - não se discutia o significado do termo Índio -. Era o normal do momento por ser o único termo usado de forma generalizada. Não se tratava, por nossa parte, de nenhuma forma de subtração e diminuição da cultura, valores e da importância dos Povos Originários à humanidade e à construção da história e cultura nacional.

Semente Olho de Pavão usada na confecção de réplicas colares indígenas.

Digo e reforço que todo o respeito, admiração e carinho que tenho aos donos das terras brasileiras se formaram a partir das discussões e reflexões em sala de aula que geraram textos e pensamentos ao que fazia referência à vida, música, dança, vocabulário, artesanato, meios de produção, sobrevivência e suas contribuições ao cotidiano dos povos não-indigenas nacionais.


Sabemos hoje que é muito válida a expressão que diz "indígena não é fantasia” como um grande alerta contra o preconceito e a apropriação cultural que acontece quando pessoas não-indígenas se fantasiam de indígenas. Contudo, nos idos dos anos 1980 e 1990, dentro dos conhecimentos que tínhamos, tentar nos paramentar como Indígenas não era uma forma de fantasia e tirar sarro desse povo. Era sim nossa forma de entender seus sentimentos, mesmo que superficialmente. Fazer imitações de seus artesanatos (pulseiras e colares) com sementes vermelhas (conhecido como olho de pavão, tento-vermelho, carolina, olho-de-dragão ou olho-de-pombo), produzir saiotes de sacos de ráfia vermelha ou brancas pintadas de de vermelhoncom urucum, fazer nossos cocares com papelão com penas de rabo galo e galinha naturais, confeccionar arcos e flexas com galhos de árvores do quintal, pintar o corpo com o vermelho extraído das sementes do urucum eram as formas de entender seus trabalhos cotidianos das produções e seus significados para toda essa gente.


O período destinado à conhecer, compreender, discutir e refletir sobre a diversidade cultural e de etnias dos povos e das nações indígenas culminava sempre com cada sala realizando alguma "celebração" com todos vestidos com suas produções e com muita comida do nosso cotidiano resultantes da grande importância e influência cultural indígena à vida nacional. Daí degustávamos macaxeira cozida, peixe frito no azeite de coco babaçu, farinha, beiju, bolo de tapioca, pirão, milho assado, milho cozido, mingau de milho, pamonha na folha de bananeira ou casca do milho, canjica, peixe assado na folha (pra gente na folha de bananeira), bacaba, juçara, suco de buriti, suco de cupuaçu, suco de murici, suco de cajá, suco de jenipapo, suco de caju... consumíamos tudo usando folhas e cascas como utensílios e sem uso de colheres e talheres. Nos servíamos somente com as mãos.


Toda essa vivência foi importante para desenvolver nosso sentimento de respeitar e defender a importância da cultura nativa. Isso foi como a plantação de sementes em terras férteis cultivada no tempo e na lua certa que rendeu grandes e saborosos frutos como Vanalda Araújo, filha de Dona Luzia e do Seu Bebé, ex-aluna do Colégio Santa Teresa - que teve a mesma base de ensino e experiências escolares. 

Vanalda Araújo (de calça azul) com mulheres do povo xixkin no encontro da juventude indígena do povo Aikewara-suruí. 2024

Valnalda hoje reside em Marabá (PA) e se tornou pesquisadora, professora e ativista com atuação destacada na defesa dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia. Ela estuda a relação entre o território e a dinâmica populacional do povo Aikewara-Suruí, que vive na Terra Indígena Sororó no Pará. Sua pesquisa explora como o território, seus recursos e a história do povo influenciam a população e a sua vidas. Hoje esta pesquisa que foi feita para sua dissertação - trabalho final para obtenção do título de mestre em um curso de mestrado - está em uso pela Comissão da Verdade como uma das fundamentações para pedir a reparação coletiva do Povo Aikewara-suruí.


Não há como dizer que nossas comemorações do Dia dos Povos Indígenais tenham tido importâncias distintas das celebrações da Semana Santa, tempo em que fizemos muito análises sobre as ações de Cristo na defesa dos menos favorecidos. A divisão e a multiplicação do peixe, do pão e do vinho não é apenas o literal. Esta divisão e multiplicação é mais sobre fazermos o que estiver ao nosso alcance para que nosso próximo, seja ele de qualquer nacionalidade, etnia, cor, gênero e religião tenham mais vida. E vida - com dignidade - em abundância. 


Impossível não chegar a conclusão que TUDO que vivenciamos, discutimos e aprendemos foi feito com amor, propósito e responsabilidade por professores compromissados em contribuir com dias melhores e fazer alguma diferença, se não no mundo, na vida de quem é "crucificado" um pouquinho a cada dia.




domingo, 19 de janeiro de 2025

UMA CRÔNICA DE OUTROS CARNAVAIS

 

Desfile da Acadêmicos do Grande Rio, Campeã 2022.

Minha irmã Rogenir, residente há alguns anos em Brasília, sempre me indica editais de concursos culturais e me inscrevo em todos que me encaixo nas regras dos editais. Por conta disso finalizei 2024 fazendo uma crônica sobre o início de minha vida no macrocosmos carnavalesco para me inscrever no último concurso que ele me indicou. Mas, o site de inscrições estava com problemas e não consegui anexar meu arquivo. Perdido o prazo, mas fiquei com vontade de contar as experiências vividas e os acontecimentos interessantes e importantes que prenseciei nestes meus 25 anos de Carnaval no Rio de Janeiro e é o que se segue.


Para começar preciso dizer que sempre gostei muito dos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e tudo aquilo sempre foi uma realidade muito distante da que eu vivia no interior do Maranhão, onde morei até janeiro de 1995, quando mudei para São Luís. O tempo foi passando, segui estudando para o vestibular e dezembro de 1997, quando aos 18 anos conheci Enoque. Ele começou a desfilar na Sapucaí na Escola de Samba Unidos da Ponte no enredo que homenageou a Marrom em 1994. 

Abre-alas da Unidos da Ponte, 1994. Enoque Silva, Destaque Central baixo.


Apesar de eu gostar muito de carnaval nao era meu universo. Eu não conseguia concatenar tudo que envolve esse novo contexto na minha vida. Como dizem hoje em dia, esse munfo é profundo e tem muitas camadas. Precisei do primeiro ano de relacionamento para processar e entender o que é ter um relacionamento de fato e compreender o tamanho do universo cultural que eu estava entrando, principalmente o carnaval carioca. Entrando nesse momento de compreensão em 1999 fui ao Rio de Janeiro pela primeira vez e logo para o desfilar no sambódromo! Eu na Marquês de Sapucaí!!! Vivi muitas experiências superlativas para o universo tão pequeno que era o meu cotidiano até então.


Já na chegada ao barracão vi pessoas que, para o povo que mora no Rio, pode ser comum encontrar pelas ruas, mas eram pessoas que eu só via na TV. Na primeira ida ao barracão já dei de cara com Fernando Vanicci, então apresentador do Esporte Espetacular e quem fazia a narração dos desfiles na transmissão da TV Globo, e David Brasil. Graças ao meu acanhamento mantive a linha e fingi costume legal. 


No dia do desfile subi na alegoria pela primeira vez e já foi uma emoção grande e forte. Ajudei Enoque a se montar e assisti a chegada das composições do carro que contava ali com as presenças entre eles dos atores Raul Gazola, Beto Simas e da atriz Mônica Carvalho, que usou em sua fantasia um costeiro de penas de pavão coloridas que cobriu parte da fantasia de Enoque - juro que se tivesse uma tesoura lá em cima ele teria cortado as penas, vontade e coragem nunca lhe faltaram.


Após deixá-lo pronto no alto do carro alegórico com a fantasia montada no queijo (nome que se dar à plataforma que as pessoas vêm na alegoria) eu desci do carro e enfrentei aquele meio mundo de gente desconhecida. Estava atônito... Lunático! Desacreditando no que estava vendo, vivendo e sentindo... Literalmente ficava me beliscando no braço e na coxa para me certificar que era tudo real. Decidi ir até a alegoria onde estava Biné - acho que a 7ª alegoria, pois naquela época as agremiações desfilavam com cerca de 8, 9, 10 alegorias. Parte delas ficava pra fora dos portões que isolava a concentração dos curiosos - . Entre o carro abre-alas, onde Enoque estava, e o carro de Biné eu fui vendo cenas marcantes para mim. A sensação era de tá dentro de um filme. Não trabalhando na produção, mas dentro da película, sendo um personagem no filme pronto. Era como se estivéssemos rodando em um telão naquele momento e tivessem pessoas assistindo. Como se eu estivesse dentro da grande tela... depois entendi que estava mesmo na tela, entretanto não era do cinema, mas tudo ali era transmitido ao vivo pela Globo. 


Naquele dia vi cenas que não se ver com detalhes durante as transmissões dos desfiles. Cenas como as baianas preparando as estruturas de suas anágoas, presenciei passistas esquentando o corpo, vi outros famosos que só via na televisão como Angélica e Luciano Szafir (eles no alto de uma alegoria setados para não chamar atenção...), Isabel Filardis (tocando chocalho na bateria), Daniele Winits belíssima (Rainha da Bateria), Luciana Gimenez (muuuito discreeeta - contém uma pitada de ironia - fungindo da imprensa, pois estava grávida, vestida de noiva de quadrilha - mostrando a barriga já bem crescidinha - e a impressa do mundo inteiro atrás de confirmar se o pai era mesmo o Mick Jagger).

Zezé Motta, Rainha do Maracatu. Grande Rio, 1999

Biné Gomes, Rei do Maracatu.  Grande Rio, 1999.


Naquele ano fiquei bobo com tantos famosos circulando entre a gente, no meio do povo. Meu transe foi ainda mais profundo quando mais à frente eu me deparo com ela... a figura preta mais linda, o sorriso mais acolhedor e a energia mais contagiante que possa existir no Brasil. Gente... Eu estava diante de Zezé Motta! Ela vestida de Rainha do Maracatu dando entrevista à Globo News. Sai de mim completamente. É como se meu espírito saisse do meu corpo e ficasse rodando e sobrevoando em volta dela ali... fiquei abobalhado vendo a eterna Xica da Silva e Dona Fátima - mãe do Jefferson que namorou Sandrinho na novela A Próxima Vítima, um marco na TV à comunidade gay -. Ela era ainda mais linda e simpática pessoalmente. Quando desligaram as câmeras ela olhou pra mim ali hipnotizado e me cumprimentou com um sorriso, piscou os dois olhos e fez um aceno com a cabeça. Foi quando eu despertei e lembrei que estava viajando escondido e me encontrava ao lado de uma equipe de jornalismo durante uma cobertura ao vivo em uma emissora do maior grupo de comunicação do país. A partir daí fui tendo o cuidado de me esconder das câmeras, como se eles fossem parar tudo só para me denunciar. Coisas que o medo de ser pego na mentira causa.


Eu passei o desfile olhando tudo, não sambei, não cantei... não andei. Foram o samba e as pessoas que me levaram até a dispersão onde despertei e lembrei que precisava subir no carro para ajudar Enoque a desmontar, embalar e descer a fantasia. Na subida ainda ajudei a "bunita" da Mônica Carvalho a descer do seu queijo, até pelo fato de que ela e sua fantasia estavam atrapalhando meu acesso até Enoque, meu orgulho maior naquele carnaval todinho. Terminei aquele desfile morto de cansaço causado por tanta emoção e uma, jamais experimentada, descarga de adrenalina. Eu não tinha preparo físico e emocional para tanto. Ninguém me disse como seria e, se tivesse dito, não teria eu conseguido imaginar como seria. 


Depois daquele outros carnavais já me levaram ao Rio. Aliás, depois daquele ano todos os outros carnavais me levaram à Marquês de Sapucaí. Pelo simples fato de que a cada ano tem-se novas experiências, novas visões, novas percepções, novas vivências. Cada ano é diferente do anterior. Para cada expectador a emoção bate de formas e em lugares diferentes. Nesse tempo que estou inserido nesta cena cultural prensenciei momentos que entraram pra história do carnaval carioca e eu fui uma das testemunhas oculares, acompanhando, se não a produção, mas vivindo o ápice que é o grande dia.


Por exemplo, nos anos 2000, algo que só tinha acontecidoem 1989, todas as escolas do grupo especial tiveram que desenvolver seus enredos em torno das comemorações dos 500 anos do Brasil. Cada agremiação pegou uma vertende e contou em verso, prosa, harmonia, alegoria e fantasia a construção desse país tão diverso. Depois disso vi em o sambódromo, que é um projeto de Oscar Niemeyer, ser reformado e ganhar novos setores com mais acomodações para um público cada vez maior.

Eric Scott, dublê americano. Grande Rio 2001.


Vi um dublê "astronauta" sobrevoar a sapucaí em três desfiles diferentes da Grande Rio - que barulheira aquela "maquina-mochila" fazia -. Presenciei Paulo Barros apresentar o lendário carro DNA pela Unidos da Tijuca, o que é considerado um marco no carnaval moderno. Ainda na Tijuca Paulo impactadou a todos com uma comissão de frente que trocava de roupa em fração de segundos diante dos olhos do público. Assisti ao desfile da Mangueira em que a comissão de frente "incorporava" grandes personalidade da escola, como se vivos estivessem. Por falar em Mangueira, eu vi Jamelão cantar e já estive em eventos com Dona Neuma e Dona Zica. E falando em grandes nomes, Enoque e eu andando pelo Saara, encontramos e tietamos Dona Dodô, a porta-bandeira número 1 da Portela.


Já entrando nos anos 2000, com o advento das possibilidades que os computadores traziam, e com os enredos patrocinados, posso dizer que foi interessante observar escolas começarem a usar tecnologia computadorizada - às vezes até equipamentos da NASA como o equipamento que fazia o astronauta voar nos desfiles - na produção de suas alegorias. Ainda assim, posso afirmar que mais bonito e satisfatório foi ver todas as escolas recorrerem a tecnologia artesanal da floresta amazônica, contratando e importando artesãos do Festival de Parintins em um itercâmbio cultural unindo as culturas brasileiras de ponta a ponta. Isso sim é fenomenal! Há profissionais que ficam seis meses construindo esculturas articuladas nas escolas de samba do Rio de Janeiro e outros seis meses em Parintins dando vida às alegorias dos grupos de Boi-bumbá amazonenses.


Como nem tudo é só alegria, presenciei os dramas das agremiações em períodos de chuva e riscos eminentes a desabamento ou incêndios nos antigos barracões da região do porto. Em compensação em 2006 constatei o impacto nos resultados gerados, tanto na autoestima dos componentes quanto nos trabalhos apresentados nos desfiles, pela mudança para a Cidade do Samba, que recebeu o nome de Joãosinho Trinta. - Aliás, vake registrar que conheci Joãosinho Trinta em 2001. Quando ele chegou à Grande Rio reencontrou Enoque - eles já se conheciam desde 1997 quando Enoque e Biné Gomes vestiram suas fantasias para lhe recepcionar em um evento no Ceprama em São Luís organizado pelo Governo do Estado. Esse evento rendeu a Enoque um convite para fazer parte de um grupo de brasileiro para shows na Europa que incluia a festa de comemoração pelos 700 anos de reinado da Familia Geimaldi de Mônaco -. No dia que conheci Joãosinho, em 2001, ao entrar em sua sala ele estava dando entrevista para ninguém mais, ninguém menos que a icônica jornalista Glória Maria. Caracas... eu tremia e não sabia qual dos dois mais me fazia tremer de emoção. A partir dessa aproximação ficamos amigos de João, inclusive acompanhamos sua saída da Escola - nessa ocasião ele chamou a seu encontro na casa de seus então empresários, depois de Niterói, onde estava em refúgio se esquivando dos contatos da imprensa nos primeiros dias da demissão conflituosa -. Ainda vou escrever posteriormente sobre coisas curiosas que vivemos e ouvimos de João Trinta. Muita coisa séria, algumas coisas graves, entretanto muita coisa divertida.


Em pleno 2004 também fomos surpreendidos com uma censura da igreja católica sobre a parte do desfile da Grande Rio com enredo "Vamos vestir a camisinha meu amor" de Joãosinho Trinta que conscientizava sobre a necessidade do uso da camisinha. Nesse desfile Enoque veio de "Deus Indiano" no carro do kamasutra, a alegoria censurada.

Enoque Silva Destaque da Alegoria Boi Mamão. 
Grande Rio 2011.

Cris Viana, Rainha de Bateria. Grande Rio 2011.


Eu estava lá em 2007 quando o abre-alas da Grande Rio pegou fogo logo na dispersão e precisou ser confeccionado um carro substituto em menos de uma semana para o desfile das campeãs. Foi triste, mas nem imaginávamos que o lano de 2011 foi ainda pior. Foi um ano marcante de forma triste à cultura carnavalesca. A Acadêmicos do Grande Rio estava quase pronta desde dezembro anterior. Faltavam poucas coisas para finalizar e, muita gente do meio falava, que era uma forte candidata ao título. No fato é que no dia 07 de fevereiro estávamos em casa, em São Luís, quando assistimos pelo "Bom Dia Brasil" a chamada ao vivo mostrando os barracões pegando fogo na Cidade do Samba. Estávamos a menos de 30 dias para o desfile oficial e três escolas foram atingidas, União da Ilha, Portela e a Grande Rio sendo a mais afetada. Em tempo recorde as equipes capitaneadas pela resiliência de Kahê Rodrigues com os comandos e articulação da diretoria da Grande Rio deram conta de por a escola na avenida com apoio das co-irmãs. No dia do desfile quando a escola entrou na avenida uma chuva torrencial caiu na Sapucaí que deixou a água da avenida na altura do meio da canela. E, mesmo sem concorrer, foi o melhor desfile da Grande Rio até então. Todo o público presente cantou e aplaudiu muito. A capacidade de se refazer em tão pouco tempo surpreendeu, contagiou e movimentou todos ali presentes. Esse desfile em especial eu passei todo atrás da alegoria do Boi Mamão, onde Enoque estava. Eu estava de olho no esplendor/costeiro da fantasia que curvou para trás com as forças da chuva e dos ventos associadas o peso da água que encharcou as penas da fantasia. Na minha cabeça a ideia era só uma... se o costeiro caísse eu saíria correndo e gritando pra não deixar ninguém se ferir. Ainda bem que nada aconteceu. Acabou nosso desfile, acabou a chuva. Assim, de repente e sem explicação. Foi de chorar de emoção. E 2011 ainda tinha um golpe final ainda mais cruel, em dezembro, fomos golpeados com a morte de Joãosinho Trinta. A cultura nacional ficou de luto com esta perda tão grande e irreparável.


Quando chegamos 2015 o carnaval carioca foi surpreendido por Viviane de Assis, uma mulher, preta, passista e que queria participar do concurso da corte de momo do carnaval carioca.Com 1,23m de altura por conta do nanismo, enfrentou as limitadas regras certame, mas brava como é fez um verdadeiro carnaval, deburrou regras e tabus e conseguiu concorrer ao posto de Rainha do Carnaval 2016.

Viviane de Assis, Passista pequena notável, 2015.


Paralelamente a tudo isso nossa vida em São Luís seguia com muitas histórias sendo experienciadas, tantos trabalhos incríveis feitos para grupos carnavalescos locais e tantos outros trabalhos relevantes apresentados no Rio de Janeiro que em 2016 vivi com Enoque o momento dele ser homenageado em nossa terra pela Escola de Samba Turma da Mangueira, que fica no bairro do João Paulo, onde moramos. Isso nos fez, pela primeira vez, desfilarmos na Sapucaí e na Passarela Do Samba de São Luís no mesmo carnaval. Uma logística louca dada a distância entre as duas cidades e os compromissos assumidos. Uma forma de agradecer à agremiação - em especial ao então Presidente da Escola, Carnavalesco e nosso amigo Itamilson Lima - pela linda homenagem feita com tanto zelo e carinho.


Foi também em 2016 que nosso amigo Milton Cunha, carnavalesco e comentarista da TV Globo, foi homenageado pela escola de samba britânica Paraíso School of Samba durante o Carnaval de Notting Hill e nos convidou para acompanhá-lo e participarmos do desfile que tinha o enredo "Rio Carnival through the eyes of Milton Cunha" - "O Carnaval do Rio pelos olhos de Milton Cunha"-. Um desfile que durou uma 3 horas pelas ruas de Londres.

Enoque Silva, Destaque Central alto.
Grande Rio, 2017.


O ano de 2017 a explosão foi a homenagem da Grande Rio a cantora baiana Ivete Sangalo. Que em ato de retribuição a tudo feito por ela fez questão de desfilar fazendo parte da Comissão de Frente - performando e sendo avaliada como todos os demais componentes - e de vir também no lugar homenageada no último carro. Os bastidores foi uma correria louca, surpreendente e emocionante.


Depois disso, após o carnaval de 2020, o mundo parou por conta da pandemia de Covid-19. Nossos corações deixaram de bater no ritmo da bateria. Nosso ouvidos só ouvia a batida solitária e triste do surdo... e cada vez mais distante. Foi então que recebemos com tristeza a confirmação do já esperado cancelamento dos desfiles em 2021. Não havia o que fazer quanto a isso. Então reagimos e aproveitamos o momento para organizar a "Exposição Virtual Bonecas em Destaque" - no perfil de Instagram (@enoqueosilva) de Enoque - apresentando 52 modelos de miniatura de fantasias de destaques em homenagens a grande nomes do carnaval brasileiro, personalidades do Norte ao Sul do país. Conseguimos aquele ano, com a ajuda de amigos, movimentar a cena carnavalesca brasileira. O trabalho foi matéria em diversos jornais pelo Brasil, inclusive no RJTV. Notoriamente não foi à mesma coisa dos outros carnavais, entretanto foi um carinho nos corações apaixonados pelos desfiles que não tivemos àquele ano.  




Bonecas da Exposição Virtual Bonecas em Destaque, 2021.

Como tudo passa, no ano seguinte, 2022, o país teve a felicidade do retorno dos desfiles, que aconteceu no feriado de Tiradentes. Foi nesse ano que depois de 23 carnavais desfilei em um enredo campeão. A Grande Rio foi a campeã daquele ano. Conquistamos nosso primeiro título no Grupo Especial. Um enredo contra a intolerância religiosa que levou a Sapucaí ao delírio com o enredo “Fala, Majeté! As sete chaves de Exu!”, desmistificando a imagem de um dos orixás mais cultuados nas religiões de matriz africana. Aquele desfile foi diferente. A escola estava diferente. Todos os setores organizados, os diretores não estavam dando ataque de estrelismo como sempre faziam. Todos estavam dispostos e a disposição de colaborar com quem estava precisando de ajuda. Ninguém estava pensando somente em seu umbigo ou no seu momento. Todos estavam voltados para o grande momento da Escola de Caxias. Pela primeira vez eu vi os diretores deixando a Acadêmicos do Grande Rio ser a estrela e brilhar sozinha. E foi muito mais que perfeito. Ganhamos!


Iluminação cênicas da Sapucaí, 2024.


Em 2024 testemunhei também - junto com o público presentes - o inicio do uso de iluminação cênicas na Marquês de Sapucaí durante os desfiles. Não se trata de uma luz específica conforme as necessidades de cada enredo desfilado e sim de uma iluminação específica para cada setor do desfile, que acompanhava o avançar de cada escola pela avenida. O espetáculo cresceu e o público ganhou ainda mais elementos surpresas durante cada apresentação. Foi o início de uma nova era.



Blocos de Carnaval de Rua. 
Anita, Lud e tradicional Bola Preta.


Todos estes anos eu vi surgir no Rio uma folia mais variada e democrática no período momesco. O movimento Escola de Samba, dentro de uma polêmica ou outra, cresceu. E me assustei com o crescimento do carnaval de rua com as bandas e trio arrastando multidões de milhões de pessoas na rua. Crianças, adolescentes, jovens, velhos, solteiros, casados - e até seus pets - saem de casa fantasiados de manhã, vão emendando de bloco em bloco e só retornam à noite.


Percebi ainda a diminuição dos grandes, famosos, glamourosos e caríssimos bailes e concursos de carnaval da cidade do Rio. A falta desses eventos que eram esperados pelo Brasil inteiro fez Milton Cunha criar o Baile Glam Gay fazendo um resgate dos concursos de fantasia de luxo e originalidade, como nos velhos carnavais cariocas, onde personalidades com Clóvis Bornai, Wilsa Carla, Eloy Machado, Isabel Valença, Evandro de Castro - e que eu só conheci pelas páginas da extinta Revista Manchete.

Milton Cunha e seus convidados do Baile Glam Gay, 2020.


Como tudo na vida tem os "do contra" e contrariar estes haters é preciso. Então, vamos lá... desfile de escola de samba não é sempre a mesma coisa. Quem acompanha de fato os desfiles das Escolas de Samba a cada ano se surpreende com as novidades que são descobertas desde as pesquisas de enredo até os dias dos desfiles. Vemos inovação e originalidade apresentadas a cada temas e enredos distintos. Tudo é feito através de processos de criação e execução diferentes. Anualmente somos magnetizados com tecnologias diversas, inovação nas técnicas de confecção, novos estilos de bordados e materiais mais práticos e sustentáveis. Quero acreditar que as agremiações ano após ano estão entendendo a importância das homenagens às figuras e personalidades notáveis que foram marginalizadas ou apagadas pelos brancos contadores da história.


As Escolas de Samba e o carnaval brasileiro tem galhos e folhas de várias cores, mas a sua raiz e o seu tronco são pretos e nas cores do arco-íris. E o que é o ponto forte desta festa toda e deveria ser ainda mais fortalecido encontra uma grande fragilidade. As escolas, e o público, não estão entendendo seu papel social principal que seria enaltecer a participação e valorização o protagonismo daqueles que construíram tudo isso, proporcionando mais igualdade e garantias de direitos tanto raciais quanto dos LGBTQIAPN+. Foi essa gente que criou e construiu tudo isso e é essa gente que segue dando o suor, o sangue e até a vida pela escola. Mas, os lugares principais e de destaques são dados - e até vendidos - a pessoas que tem dinheiro, mídia e visibilidade. Estes, na maioria das vezes, só atrapalham os desfiles, pois não cantam, não dançam, não evoluem e nem são simpáticas.


Apesar dos pontos fracos não há como dizer que o carnaval carioca não seja bom, feliz ou que já deu o que tinha que dar. É inegável a grandiosidade que o carnaval brasileiro alcançou sendo fruto da força, do suor, da energia e da alegria do povo preto e da comunidade LGBTQIAPN+ do Brasil. Se houver uma coisa que posso afirmar sem medo de errar, eu digo viver a experiência de um desfile de escola de samba, em qualquer lugar do país, dá um um orgulho danado de ser preto e de ser brasileiro. Imagine conhecer e viver sendo parte desta história. É justamente aí que percebemos a força de nossos ancestrais e que nos dar a certeza que o povo preto é foda! Não há como não se orgulhar! Já é 2025 e Já já estaremos na Sapucaí novamente. Será o 31⁰ carnaval de Enoque no Rio de Janeiro, 27⁰ ano dele na Grande Rio e o no nosso 26⁰ carnaval juntos. E esse ano a Mina é cocoriô!!!